TED ALIKE – Sem data venia: um olhar sobre o Brasil e o Mundo

 

Luís Roberto Barroso

O palestrante, em síntese, apresenta um resumo de sua recente obra “Sem data venia”, cingindo-se aos principais pontos de referido livro, dividido em três partes. Na primeira, narra de forma breve sua trajetória pessoal, profissional e acadêmica, desde os anos de infância até sua nomeação ao Supremo Tribunal Federal em 2013, tendo como ponto fulcral e base para sua atuação jurídica a busca pela concretização de um Brasil melhor – sobretudo a partir de suas experiências no período da Ditadura Militar, com destaque ao homicídio de Vladimir Herzog e ao Atentado do Rio-Centro; assim como sua atuação no movimento estudantil, bem como participação no Momento Constituinte de 1987-1988.

Na segunda parte, em que trata dos principais aspectos de seu olhar sobre o Mundo, o Ministro afirma que as revoluções tecnológicas implicam na transformação da vida cotidiana com a inserção da internet, da biotecnologia, da computação, redes sociais e do rápido passo das inovações científicas – que trazem grandes proveitos e grandes riscos e desafios. Trata, ainda, da crise da democracia em diferentes partes do planeta, com a ascensão de regimes iliberais e populismos autoritários (que não se subsomem a uma ideologia), fundados na cisão da sociedade entre “nós” e “eles”. Por fim, trata da crise climática vivenciada no mundo, sobretudo pelos danos ambientais e emissões de gases do efeito estufa, mencionando a urgência da questão.

Na terceira parte, o Ministro lança seu olhar sobre o Brasil. Inicia falando da importância das instituições para as democracias e a própria vivência social. Envereda no problema da corrupção, afirmando a necessidade de se aprimorar os parâmetros éticos da sociedade brasileira. Continua tratando de matérias ligadas à política (com destaque à liberdade de expressão e redes sociais; defesa do sistema proporcional-misto, com barateamento das eleições, racionalização eleitoral e melhoria da governabilidade), educação (necessidade de se priorizar o ensino básico; baixa atratividade das carreiras do magistério), saúde (expondo sua posição acerca do aborto, em defesa da descriminalização do aborto em razão dos direitos fundamentais envolvidos, e do tema de saúde pública que informa a questão; assim como da questão de drogas, em vista do fracasso da guerra às drogas e a necessidade de se tomar novos rumos no combate); costumes (direitos LGBT+, eis que ser uma minoria sexual é fato e não há racionalidade no preconceito); racismo (necessidade de ações afirmativas em vista do racismo estrutural e da premência da reparação histórica); direito penal (que deve ser moderado); judicialização da vida (citando as decisões do STF que reputa mais importantes); Amazônia (ligado à questão climática, ao problema do desmatamento e necessidade de desenvolvimento biosustentável); livre iniciativa e incentivo do mercado (limitando a atuação do Estado ao provento de serviços essenciais, como educação e saúde).

Propõe a realização de pactos ético (não passar os outros para trás; não se admitir a malversação da coisa pública); fiscal (reforma tributária, que deve ser progressiva e justa); e social (com enfoque na educação, saúde e saneamento). Finaliza afirmando que a história leva ao desenvolvimento social e civilizatório, exortando a todos que atuem sempre da melhor forma, independentemente da presença de outros.

 

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PRECEDENTE

A JURISPRUDÊNCIA DO TSE SOBRE A PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA: Da propaganda eleitoral antecipada lícita à plena liberdade de debate político

 

Guilherme de Salles Gonçalves

O advogado Guilherme de Salles Gonçalves iniciou sua exposição realizando uma análise da evolução doutrinária e jurisprudencial da propaganda eleitoral antecipada. Para o ex-presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (IPRADE), o tema está ligado à questão da limitação da liberdade de expressão e manifestação de ideias políticas. A liberdade de informação é um direito fundamental dotado de jusfundamentalidade e estabelecido por um sistema constitucional que, do ponto de vista do exercício de efetivação dos direitos fundamentais, trabalha com a ideia de restrições.

Para o palestrante, existiu uma base constitucional para a vedação à propaganda eleitoral antecipada que se funda na ideia de preservação da igualdade de oportunidades, entendendo a disputa eleitoral como uma competição. Nesse sentido, fala-se na necessidade de preservar a igualdade de um ponto de partida igual para todos os candidatos. Essa noção foi desenvolvida em um cenário que o advogado denomina de propaganda analógica.

Na década 90, a Lei nº 9100, que estabelecia normas para a realização das eleições municipais, estipulava um período de 90 dias para propaganda eleitoral. À época, havia maior facilidade de se controlar os instrumentos de comunicação publicitária devido ao reduzido número de vias para se veicular a propaganda. Com o advento das redes sociais – e das campanhas exponenciais –, esse controle se dificultou. Essa evolução rompe com o paradigma da comunicação do emissor de “um para muitos”, construindo-se o cenário de “todos para todos”. Assim, tornou-se sem lógica, em primeiro lugar, a ideia de uma controlabilidade efetiva de qualquer forma de expressão.

Ao longo da história recente, portanto, houve uma evolução da igualdade de oportunidades, que se perfez nessa vedação à propaganda antecipada. Essa evolução recebe destaque com um grande marco, a Lei nº 11.300/06, que estabeleceu restrições à realização da propaganda eleitoral a partir da ideia de repressividade aos atos de comunicação na pré-campanha como um elemento fundamental da igualdade de oportunidades.

Mais adiante, a miniferreforma eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034/09) e leis posteriores inseriram na Lei 9.504/97 o artigo 36-A, que teve validade para as eleições de 2010. A partir dele, foram interpretadas as hipóteses que não seriam consideradas propaganda eleitoral antecipada. Essa mudança provocou reações, que culminaram na Lei 13.165/15, que passa a estabelecer a ideia de que só há propaganda eleitoral antecipada quando há pedido explícito de votos. A partir daí cria-se um ambiente bastante controverso, pois ao lado desta inovação também se reduziu a campanha para 45 dias. Essas alterações criaram um limite à intervenção da jurisdição eleitoral nessa forma de exercício da liberdade de expressão e de manifestação do pensamento.

O painelista pontuou que, já à época, as figuras das redes sociais, influenciadores, robôs e as fake news, por si só, demonstravam a obsolescência desse tipo de ideia do mundo analógico, à medida que é possível restringir o convencimento antecipado através da repressão aos instrumentos de propaganda. Esse debate chegou às cortes e, a partir de dois casos emblemáticos (Agr em Ag 9-24.2016.6.26.0242 / RESP 51-24.2016.6.13.0052), pode-se definir a sistemática hermenêutica para que se pudesse constatar a existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita.

A primeira constatação relevante é que se criou, ao lado da categoria jurídica do pré-candidato, ideia da propaganda eleitoral antecipada lícita e seus elementos. Em primeiro lugar, fala-se na existência da pessoa do candidato. Em segundo, o cargo almejado. Ainda, o proselitismo, ou seja, as qualidades pelas quais aquele sujeito deve ser eleito. Por fim, o pedido explícito de voto. Essa jurisprudência deixou claro que, na presença dos três primeiros elementos, fala-se na figura da propaganda eleitoral antecipada lícita. À essa propaganda, ainda foram impostos alguns limites: o primeiro é que os gastos para a efetivação da referida propaganda eleitoral antecipada sejam moderados, passando-se a trabalhar com a ideia da onerosidade dos gastos.

Guilherme Gonçalves conclui apontando que a tendência é que o ordenamento jurídico interno evolua, dentro de um contexto de sociedade democrática, permitindo um debate para além da ideia do pedido explícito de votos. Para Gonçalves, é preciso compreender que a moderna concepção de liberdade de expressão, numa sociedade pós-industrial pautada por um poder de comunicação exponencial, não se encontra na repressão aos instrumentos comunicativos e na prevalência da igualdade de oportunidades, mas sim na verificação dos abusos de poder. Com essa perspectiva, o advogado salienta que a solução está no microssistema de tutela coletiva e na punição rigorosa do abuso de poder dentro dessa nova racionalidade.

 

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DIÁLOGOS

Existem parâmetros para a aferição da gravidade nas práticas de abuso de poder?

 

Ana Paula Barmann | Rodrigo Lopes Zílio | Rodrigo Cyrineu | Anna Paula Mendes | Sidney Neves

A mediadora Ana Paula Barmann abre o painel, destacando que é um tema polêmico, devido à discussão acerca da gravidade dos fatos que dá ensejo ao reconhecimento do abuso, comentando que o legislador optou por não definir objetivamente esses critérios de aferição. Mencionando o TSE, expõe que o tema já foi enfrentando, oportunidades em que o Tribunal ensaiou critérios na qualidade qualitativos e não quantitativas. Em seguida, afirma que é um tema instigante, devido à sua importância por ensejar a cassação de registro de mandatos. A partir dessa proposta, os painelistas abordam temas recentes e que serão impactantes nas próximas eleições, com foco, justamente, na análise da aferição da gravidade nas práticas de abuso de poder.

O expositor Rodrigo Lopes Zilio comenta que a premissa inicial é que o direito eleitoral é formado por conceitos de origem que são vagos e indeterminados. Os parâmetros de aferição devem ser controláveis e não arbitrários. Tendo, como ponto de saída, a ideia que a lei da ficha limpa trouxe para o arranjo normativo a expressão “gravidade das circunstâncias”.

Prosseguindo na temática, abordou-se a mudança jurisprudencial acerca da percepção do TSE sobre a cassação baseada em critério aritmético, visto que, hoje, o TSE tem assentado que a gravidade das circunstâncias é bifurcada, se perfazendo por um critério de qualidade, que o a Corte afirma que é o grau de reprovação da conduta; e critério de quantidade, que é a repercussão do pleito.

Em seguida, Rodrigo Zílio comenta acerca da delimitação do TSE, suscitando que a gravidade é um conceito necessariamente correlacional e não se pode imaginar a gravidade para fins de cassação de mandato ausente a premissa de que existe um bem jurídico a ser tutelado, que é a legitimidade das emoções. Aduz que não há o que confundir legitimidade do pleito com o resultado do pleito. A legitimidade do pleito e a integridade da competição eleitoral são noções  muito mais amplas, não podendo ser reduzidas a números matemáticos.

Se compreende que esses conceitos abertos, fluidos e indeterminados, possuem a mesma premissa de proporcionalidade.  A ideia é uma resposta do Estado proporcional ao ilícito, com a vedação do excesso. A ideia de proporcionalidade se funda na exigência de comparação de valores, sendo inviável decidir-se de forma proporcional sem que haja uma análise comparativa entre diferentes condutas.

No mesmo sentido, explicita Zílio que existe uma confusão entre desvalor da conduta e gravidade do fato. O desvalor da conduta, por si só, como regra, não leva a uma cassação, o desvalor da conduta seria um dos elementos do conceito qualitativo da gravidade. Informa que o TSE, em algumas situações, tem dito que o desvalor da conduta pode levar à cassação por si só, ao analisar a integridades das eleições de 2018.

Alude que, hoje, para o Tribunal Superior Eleitoral, o critério qualitativo é a reprovabilidade da conduta e o critério quantitativo é a repercussão da eleição, de modo que deve haver uma reflexão, pois é preciso colocar, como critério de qualidade do ato abusivo, não apenas a conduta de desvalor e a participação do candidato, mas, também, a forma como se cometeu o ilícito. Além disso, o critério de qualidade não pode ficar refém do juízo de valor, precisando ser analisada a conduta, a forma e a finalidade do ato e a sua repercussão em relação ao eleitorado.

Rodrigo Zílio diz, ainda, que é necessário questionar qual a diferença de votos e o desempenho eleitoral em relação aos pleitos passados. Todo esse complexo é fundamental, pois esses critérios aplicáveis à aferição da gravidade das circunstâncias pelas perspectivas quantitativa e qualitativa só se perfazem se nós fizemos a análise correlacional.

O expositor Rodrigo Cyrineu inicia seu diálogo abordando a gravidade, aduzindo que o debate pertinente da questão é o excesso de cassações por parte da Justiça Eleitoral. Tem-se que fazer a distinção do microssistema que envolve as causas de inelegibilidade e o microssistema de repressão dos ilícitos.

No que diz respeito ao microssistema de direitos políticos que envolve a restrição da capacidade eleitoral passiva, tem-se que existe a incidência de um garantismo hermenêutico maior, pois se trata de direito fundamental  e é direito de garantia da representação, previsto no Pacto de San José da Costa Rica.

Para o expositor, a justiça eleitoral impede o candidato e não dá a ele a oportunidade de participar das eleições, então deve-se falar do garantismo do ponto de vista hermenêutico, diferente do microssistema de repressão aos ilícitos eleitorais, que inclui compra de votos e condutas vedadas, e o abuso de poder nas suas mais diversas modalidades.

Prossegue afirmando que o abuso de poder é muito dinâmico e, a cada eleição, altera-se o entendimento. A exemplo, há algum tempo atrás não se cogitava de fake News e hoje se insere no meio de manipulação social. Assim, a Justiça Eleitoral deve atuar de forma incisiva na repressão dos ilícitos, não apenas caçando aqueles que se elegeram malferindo, descumprindo as regras eleitorais, mas, sobretudo, atuando de forma preventiva, suspendendo os atos, devendo fazer sustar esses atos.

Aponta que a legislação não tem como prever de antemão todos os parâmetros. Por essa razão, o garantismo que deve existir no que diz respeito ao abuso de poder é o garantismo processual. Uma das hipóteses objetivamente seguras para aferição do abuso do poder é a violação há uma conduta tipificada, a exemplo a violação da proibição à extrapolação do limite de gastos, sendo ato objetivamente grave e, num juízo de proporcionalidade, deve conduzir a uma cassação de mandato.

Todos os critérios com ampla magnitude na circunscrição eleitoral devem ser levados em consideração para efeito de análise da gravidade. O novo código eleitoral traz nos artigos 630 e 631 alguns parâmetros interessantes para efeito da aferição da gravidade. Sugere que, embora não esteja em vigor, a redação já pode ser utilizada pela jurisprudência para efeitos de aquilatar o tema.

Segue Rodrigo Cyrineu afirmando que o novo Código Eleitoral é uma promessa para os próximos anos, onde se retorna a ideia de aspectos qualitativos e quantitativos,  considerando essa evolução do abuso de poder. O novo código traz regras sobre a gravidade relacionadas ao abuso de poder de forma geral, justamente considerando a ideia de fake news e manipulação.

Opina Cyrineu que o Novo Código Eleitoral tranquiliza um pouco os operadores de direito, pois traz, ainda que minimamente, alguns critérios relacionados à aferição da gravidade.

Anna Paula Mendes inicia afirmando que a  Justiça Eleitoral tem se transformado no terceiro turno do pleito, pois é corriqueiro que o vencedor da eleição tenha de lidar com ações de cassação de mandato. Alega que não está na cultura pátria aceitar a derrota na eleição e isso transforma na banalização do ajuizamento das ações de cassação. Aduz que isso é contra o espírito democrático.

Anna Paula Mendes afirma que há, sim, uma cassação exagerada de mandatos eletivos, justamente por causa dos conceitos abertos que englobam esse tema. O que é abuso do poder?, questiona. Diz que é um conceito aberto, e, para completar tal conceito aberto, tem-se que separar o ilícito apto a gerar a cassação de um que não a gera. Ainda, a própria noção de gravidade também tem conceito aberto.

Para a expositora, o problema surge pois estamos falando de direitos políticos fundamentais. Desde 2010, a LC 64/90 dispõe que não mais se observará a potencialidade de interferir no resultado do pleito, levando em conta, agora, a gravidade da conduta para isso. A transição para gravidade não abandonou o bem jurídico tutelado, que é a legitimidade do pleito, pois, se o abandonar, pode-se gerar a situação de, por causa da compra de um voto, por exemplo, retirar-se o mandatário eleito por milhares de votos. Isso representaria, inclusiva, uma divergência com o princípio da igualdade do voto.

A cassação de mandato é uma cassação contramajoritária, considerando que o juiz eleitoral não foi eleito, ou sete desembargadores dos TREs não foram eleitos, bem como sete ministros do TSE não foram escolhidos, e têm o poder para desconstituir a decisão de milhares de pessoas. Se cassam mandato sem saber como, pois não se sabe que parâmetros de quantidade são esses, o que ameaça o regime democrático.

Aponta que o ônus argumentativo da garantia de que teremos decisões judiciais fundamentadas e de respeitos aos precedentes a legitimidade das decisões contramajoritárias é o de demonstração da gravidade. O novo código eleitoral traz explicitamente que a cassação de registro do mandato ou diploma constitui medida excepcional reservada aos casos em que for reconhecida a gravidade das circunstâncias.

Para a painelista, a primeira coisa que o código eleitoral traz é falar da excepcionalidade da decisão de cassação de mandato, pois é uma decisão que interfere em direitos políticos fundamentais. Será levado em consideração a probabilidade de nexo causal entre a conduta ilícita e o resultado da eleição, trazendo de volta o aspecto da não cassação do mandato por apenas um voto comprado por um candidato que teve dez mil votos.

O que define a eleição é o voto: não é o poder econômico; não é poder político; não o uso indevido dos meios comunicação e nem poder judiciário.

Na sequência, o expositor Sidney induz que não temos efetivamente um parâmetro objetivo, parâmetros claros que definam efetivamente cada uma das condutas ou que se aproxime da melhor forma possível de cada uma das condutas consideradas abusivas. Não existe e nem existirá um critério objetivo e efetivo, sendo imprescindível que se leve em consideração o caso concreto. Aduz que é, de fato, a jurisprudência evoluiu muito, mas é uma evolução cambiante, às vezes se encontra diante de uma possibilidade, se tentando instituir a técnica de estabelecer ali uma tese.

A cada julgado se pretende se estabelecer uma tese que poderia se comunicar para o futuro com diversos outros casos que viessem a acontecer, mas não se consegue dentro do direito eleitoral, sistematicamente, amoldar com retidão os precedentes e casos paradigmáticos.

Aponta que a regra estabelecida para o processo eleitoral é a normalidade, dentro da rigidez esperada, razão pela qual a justiça eleitoral deve lançar mão daquilo que de fato é a sua missão. A regra é a eleição com rigidez e com equilíbrio, e não uma eleição com abuso e desequilíbrio e desigualdade entre as partes no âmbito da disputa. De fato, nunca deixou de existir a potencialidade na apreciação do abuso do poder, seja político ou econômico. Suscita que a gravidade é prevista para gradação das sanções no sistema sancionador mor, que é o Direito Penal.

Qual o critério da gravidade do fato?, questiona Sidney Neves. Afirma, então, que o critério quantitativo é levado em consideração nos votos do TSE.

Passou-se, então, ao questionamento do público: A utilização de critérios quantitativos para a configuração da gravidade inviabilizaria a condenação de candidatos não eleitos que praticaram ilícitos na campanha?

O Professor Rodrigo Zillo aproveitou a pergunta para realizar algumas ponderações que julgou importantes ao debate. Em primeiro lugar, ressaltou que a sua posição é pelo entendimento do caráter excepcional da cassação a partir do critério da proporcionalidade. Tratando diretamente da pergunta, afirmou que o critério quantitativo não é essencial à configuração da gravidade. Isso decorre do próprio plano fático do processo eleitoral, uma vez que não caberia levar em consideração o critério quantitativo no ajuizamento de ações contra candidatos não eleitos; nos casos de julgamentos em momento anterior à realização do pleito, e portanto, desprovidos dos resultados das eleições; e no caso das fraudes de cotas.

Zílio defende que o elemento quantitativo é importante no contexto global da gravidade. Não se pode dizer que o elemento quantitativo é o elemento central, uma vez que haveria a ressuscitação do critério aritmético. A métrica é a análise da gravidade sob uma perspectiva global, tendo como elemento central a legitimidade do pleito. Legitimidade do pleito não é resultado pleito, aponta.

Afirma que o Novo Código Eleitoral avança nas cassatórias, mas também traz situações passíveis de crítica. Uma delas é a supressão de 60 dias da investigação das cassatórias e a estimulação de ações temerárias.

Em seguida, o Professor Rodrigo Cyrineu retomou a discussão sobre os microssistemas, buscando definir a defesa por uma postura incisiva da Justiça Eleitoral. Assim, distinguiu a presença dos direitos fundamentais na fase inicial de tutela dos direitos políticos, e, posteriormente, a necessidade de tutela do interesse coletivo na fase de repressão aos ilícitos eleitorais. Diante disso, concluiu que a ideia de soberania popular não deve ser encarada como causa geradora da excepcionalidade da cassação. Mais especificamente, apontou que o caráter excepcionalíssimo decorre do microssistema de proteção dos direitos políticos.

No mesmo sentido, Anna Paula Mendes recorda que o critério quantitativo não é o único adotado pela jurisprudência, nem mesmo no Novo Código Eleitoral. No entanto, não há que se falar em abandono do critério quantitativo, mas da mescla entre os critérios quantitativo e qualitativo no exame da reprovabilidade da conduta.

O Professor Sidney Neves concordou com o posicionamento do Professor Rodrigo Zílio, destacando algumas pontuações específicas sobre as relações entre o conceito de gravidade e o conceito de potencialidade. Nesse sentido, aponta que o tipo aberto da gravidade gera a possibilidade de se trazer parâmetros discricionários eminentemente valorativos e outorgados ao julgador. Observa ainda que, diante do caso concreto, o julgador não pode se afastar do exame da potencialidade, isto é, a análise do que pode vir, em potência, a gerar o impacto no processo eleitoral. Nesse caso, o critério quantitativo, apesar de afastado do ponto central, não deverá ser abandonado, devendo ser levado em conta, até mesmo em sua totalidade, quando necessário à resolução do caso.

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DIÁLOGOS

Os influencers digitais, as celebridades e os limites da propaganda eleitoral

 

Marina Morais | Jéssica Telles | Eduardo Damian | Volgane Carvalho | Aline Osório | Ana Carolina Clève

O professor Eduardo Damian inicia sua fala destacando a novidade do tema abordado no painel. Ressalta que na Lei das Eleições, em sua primeira versão, não comportava nenhum artigo que tratava sobre propaganda na internet. Entretanto, a própria lei autoriza o TSE a tratar sobre inovações referentes à propaganda eleitoral na internet por meio das resoluções, a fim de adaptar a legislação às novas tecnologias.

Ademais, asseverou que o desafio da legislação eleitoral está no balanceamento entre liberdade de expressão e a lisura do pleito. O professor entende que não se pode restringir o que a lei não traz como uma proibição. Nesse sentido, o que a Resolução do TSE traz nada mais é que uma regulamentação do que a lei já prevê. A dúvida que surge, contudo, é: até que ponto o influencer pode divulgar propaganda eleitoral? A Resolução diz que é proibida a contratação para esse fim. Entretanto, há uma série de nuances que ela não prevê. Um influencer pode, por exemplo, ser contratado para criar um jingle; poderá, todavia, divulgar tal jingle em suas redes?

Damian finaliza sua fala apontando que a redação do Novo Código Eleitoral, neste ínterim, é polêmica, mas necessária. O fato de o influenciador ter milhões de seguidores deve ser levado em consideração pois pode afetar diretamente o pleito. Afinal, o conceito de abuso de poder econômico não é fechado, mas admite a sua definição a partir de casos concretos. Desse modo, não necessariamente a contratação de influencers, por exemplo, irá ser caracterizada como abuso.

O professor Volgane Carvalho, por sua vez, inicia sua fala elencando os onze maiores influenciadores digitais brasileiros na atualidade, dentre eles Neymar, Felipe Neto, Whinderson Nunes e Anitta. Aborda que, no Instagram, a lógica é: com cada publicação feita no feed, ganha-se um centavo por seguidores. Já no Youtube, ganha-se por volta de 5 dólares a cada mil visualizações. Os influencers possuem, portanto, uma penetração gigantesca na sociedade. É preciso discutir abuso de poder da atividade dos influencers no âmbito eleitoral.

Para ele, não seria possível enquadrar a atividade dos influenciadores no âmbito do abuso de poder econômico. O professor questiona se o influenciador pode doar sua atividade para campanha, inclusive no tocante à propaganda negativa. Já no âmbito do uso indevido dos meios de comunicação, retoma o caso Francischini. Pergunta, assim, se seria ilícito que influenciadores fizessem vídeos de propaganda eleitoral. O professor finaliza sua fala destacando que não há solução para o problema e faz uma comparação com a fraude à cota de gênero: trata-se de uma situação demasiado complexa que não possui uma resposta fechada.

Adiante, iniciando sua exposição, Ana Carolina de Camargo Clève aponta que há uma intersecção entre o direito da moda e o direito eleitoral: os influencers. Para isto, retoma a tese de Doutorado de Issaaf Karhawi a fim de destacar, inicialmente, que o influenciador é um sujeito comum, que passa por um processo de legitimação (vez que tem um nicho em que se destaca), atraindo assim a atenção das pessoas. Nesses casos, nos termos da autora, há uma monetização do próprio eu. Por esta razão, há uma indissociabilidade entre a marca e a pessoa física: não há uma personagem. Os seguidores esperam e criam uma expectativa de saber o que seu influenciador pensa, inclusive politicamente.

Clève adentra, então, o âmbito jurídico. Assevera que a liberdade de expressão detém um destaque preferencial no bojo da atividade eleitoral. O influenciador teria o direito de manifestar-se politicamente de forma espontânea, razão pela qual é preciso estabelecer uma diferenciação conceitual entre manifestação espontânea e propaganda eleitoral. Aponta que não se pode penalizar uma pessoa pela influência que exerce e que nem sempre essa influência é positiva.

Finalizando o Diálogo, a professora Aline Osório aduz que não há propriamente um número mínimo de seguidores que caracteriza um “influenciador digital”. O que, sim, os destaca, é a monetização do seu conteúdo. Entende que a pergunta do painel é, eminentemente: se e como os influenciadores podem participar das eleições.

Destaca que todo influenciador deve ter plena liberdade para se manifestar espontaneamente sobre suas preferências políticas: o debate político eleitoral é para todos. Para Osório, a vedação da propaganda eleitoral de influenciadores, no Novo Código Eleitoral, é patentemente inconstitucional: o influenciador pode até abrir mão da sua liberdade, mas não da sua liberdade política.

Ou seja, talvez seja melhor permitir e regulamentar a contratação de influenciadores do que proibir e conviver com formas veladas dessa contratação, com o risco de que se torne não-identificáveis qual candidato, como e quanto pagou ao influencer digital. Entende que deve ser regulamentado o assunto, exigindo a identificação e transparência das informações e dos valores. A professora questiona se os influenciadores poderiam ser contratados por candidatos para realizar propaganda. Para ela, muito embora a lei, de fato, proíba, não deveria ser assim.

Por fim, Aline Osório expõe essa como sua maior preocupação, algo que já existe hoje e é também um recado para as eleições de 2022.

 

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PRECEDENTE

RESP nº 19.553: o art. 41-A e a metamorfose profunda e silenciosa de um julgamento histórico do TSE

 

Luiz Fernando Casagrande Pereira

O Dr. Luiz Fernando Pereira afirmou que o precedente a ser tratado mudou a história do direito eleitoral. Até esse acórdão, o Brasil estava sintonizado com todos os países do mundo: a cassação de mandato era tratada como anulação de eleição e nunca esteve no ambiente de direito sancionador. Para um mandato ser cassado deveria estar presente o nexo de causalidade entre o ilícito eleitoral e o resultado da eleição.

Pouco antes do julgamento do RESP nº 19.553 o Min. Nelson Jobim pediu vista, analisou o caso e destacou que não havia possibilidade que o suposto ilícito tratado teria influenciado o pleito. Foi no breve diálogo dele com os ministros Sepúlveda Pertence e Fernando Neves que a dispensa do nexo causal adentrou a jurisprudência brasileira, afastando o país da lógica eleitoral de tantos outros. Pereira lembrou o impacto trazido pela introdução, em 1999, do art. 41-A na Lei das Eleições, que sofre com esse precedente uma “mutação inorganizada”, nos termos de João Andrade.

A partir deste evento, o Brasil passou a cassar mandatos como se cassação fosse sanção. Tem culpa nisso teorias como de Adriano Soares da Costa e Rodrigo Lopes Zílio, pois entendem que cassação é uma causa de inelegibilidade simples. Esse erro, na opinião de Pereira, foi diluído amplamente na doutrina e jurisprudência.

Adiante, destaca que com o Novo Código Eleitoral, passa-se novamente a exigir a probabilidade do nexo de causalidade. Mais do que isso: hoje em dia há muita dificuldade de saber quais as razões que determinaram o resultado do pleito. O resultado eleitoral é imprevisível e cita que o acaso, no fenômeno político, tem muito mais importância do que a causalidade. Hoje, o que a Justiça Eleitoral faz, é desprezar a vontade do eleitor para punir o candidato.

Aos juízes, no direito eleitoral, entrega-se a seguinte missão: olhar para o cosmo da eleição, olhar para o microcosmo do processo, e chegar à conclusão de que determinado abuso, se tirado da eleição, mudaria o resultado do pleito. Muito embora os juízes decidam com dúvida, muitas vezes têm certeza do nexo de causalidade entre o abuso e a eleição. Isso, segundo Pereira, chama-se ilusão de retrospecto, e é o que conforta a cabeça dos juízes.

Por fim, Pereira assevera que desde o precedente em questão, está-se cassando mandatos de quem não mereciam cassação, e isso tem criado uma dívida para com aqueles e aquelas que foram eleitos. Quando isso foi feito na Ditadura Militar, 35 anos depois a Câmara chamou aqueles que ainda estavam vivos e lhes prestou uma homenagem, assim como às famílias daqueles que já haviam falecido. Desde o precedentes RESP 19.553, para o advogado, estão sendo cassados mandatos que não mereciam ser cassados e, um dia, como em 2012, será necessário um pedido de desculpas. Pereira espera que esse pedido não chegue de forma póstuma.

 

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Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Ana Carolina de Camargo Clève

Presidente do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Paulo Golambiuk

Equipe de Relatoria: Alexia Caroline Gonçalves de Assis, Alice Veras Maul, Amanda Aciari, Ana Luiza Lavorato, Andrielly Ruth Figueirôa do Nascimento, Bruno de Oliveira Cruz, Carolina Pellegrino, Deisiely Oliveira Weiber, Gabriella Franson, Guilherme Isfer Garcia, Guilherme Morais Régis de Lucena, Isabela Benedetti Sebben, Isabelle Pinheiro Jackiu, Jonas Emanoel Batista da Silva Mota, Julia Penteado, Lucas Ceolin Casagrande, Lucas Silvestre Machado, Marcelo Antônio Lopes, Maria Vitória Bittar Daher da Costa Ferreira, Mateus Quinalha, Murilo de Campos Soares, Pedro Abrantes Martins, Pedro de Oliveira Maschio Carboni, Sandra Keiko Yoshikawa, Stephany Patricio, Vinicius Silva Nascimento, Vítor Gabriel Kleinert, Wesley Bergonzine, William Dissenha

Equipe de Comissários: Caroline Alberini, Juliano Pietzack, Márcio Timotheo, Nahomi Helena, Rafaele Wincardt, Roberta Guimarães, Tainara Laber, Waldir Franco Félix

Equipe de Comunicação e Mídias Sociais: Luiz André Velasques, Laura Hoffmann Weiss, Carlos Eduardo Pereira, Ana Paula Rusycki, Gabriel Estevão, Lorena Beatriz Chagas, Matheus Carvalho e Manuela Gonçalves