O candidato inelegível e o processo de registro: o art. 16-A, o art. 26-C e o art. 11, § 10

A exiguidade do prazo para exame de requisitos de candidatura traz importantes consequências para o processo eleitoral, principalmente no tocante à aferição das condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade

Nicolao Dino | Ricardo Penteado | Geórgia Nunes | Júlio Jacob Junior

Nicolao Dino:

Há a necessidade de se proteger e garantir o exercício dos direitos políticos.

Para o procurador, é importante considerar que existem vários valores constitucionais a serem ponderados. De um lado, o reconhecimento ao direito à cidadania ativa, mas também, por outro lado, a Constituição sinaliza de forma nítida a necessidade de se tutelar os interesses da sociedade como um todo, no que toca à preservação da probidade administrativa e à moralidade para o exercício do mandato eletivo.

Precisa-se definir de forma clara, para garantir a estabilização das candidaturas, qual o momento final para o afastamento da inelegibilidade em face de uma causa superveniente. Nicolao defende a data da eleição, momento constitutivo em que se cristaliza a vontade popular.

Com relação ao art. 26-C, Nicolao defende que o órgão colegiado ao qual cabe a apreciação do recurso pode suspender a inelegibilidade, quando houver o binômio risco e plausibilidade. Por isso defende-se a suspensão liminar apenas por órgão colegiado.

Nicolao também tem dificuldade de imaginar o irregistrável. Para ele, seria como negar ao cidadão o direito de postular uma prerrogativa constitucional.

A solução é complexa, mas suprimir direitos não parece ser o caminho mais adequado. A antecipação dos prazos para estabilização das candidaturas pode ser uma solução mais interessante.

Geórgia Nunes:

Em relação ao papel da Justiça Eleitoral no desenho das candidaturas, importante que seja feita uma análise do regime democrático, que coloca o próprio eleitor, partido e candidato na condição de atores e também protagonistas do debate político.

No Brasil, verifica-se um protagonismo da justiça eleitoral, que coloca no cenário político questões da própria prestação jurisdicional, as quais deveriam ficar fora do debate, argumenta Geórgia.

O tempo é bastante exíguo para a campanha, e mais exíguo ainda para que a justiça eleitoral possa dar uma resposta à sociedade em relação aos pedidos de registro.

Assim, Geórgia ressalta que há falta de estabilização no processo eleitoral, sendo importante o momento para aferição das condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade. A diferença nos prazos de inelegibilidade na própria lei da ficha limpa traz um grande mote de insegurança aos eleitores e aos próprios candidatos.

No atual cenário, candidatura sub judice ocorre com todos aqueles que registram sua candidatura, visto que a data coincide com o período eleitoral. Faticamente, não é possível acreditar que a justiça eleitoral possa deferir um registro em que haja impugnação dentro do exíguo prazo de campanha.

Nem a lei tem o poder de afastar a corrupção, nem o judiciário tem esse dom de dizer quem merece seu voto ou não. Assim, indaga-se de que forma poderia ser afastado esse protagonismo do momento do registro; do debate político.

Ricardo Penteado:

No momento histórico que vivemos, há uma importantíssima candidatura: um sujeito que foi presidente duas vezes e que agora, por força de uma condenação criminal não transitada em julgado, se encontra encarcerado por uma antecipação na execução de sua pena.

Para Ricardo, todo o sistema de inelegibilidade se apoia no art. 5º, LXXII, da Constituição. Por isso, as penas aplicadas deveriam depender de uma certeza judicial adquirida só com o trânsito em julgado. Ocorre que a referida garantia constitucional foi relativizada em um cenário no qual o Judiciário, após declarar sua falência e decretar a moratória, passa a ser protagonista político.

Na análise da própria lei da ficha limpa, em uma proposta de antecipar os efeitos de condenações, considerou-se constitucional a aplicação da pena de inelegibilidade. Assim se inaugurou uma permissão, proclamada pelo STF: a premissa da antecipação de execução de penas, relativizando a garantia constitucional.

O que se tem, portanto, é um judiciário que não consegue entregar a sua prestação jurisdicional em tempo razoável e uma pressão enorme para que as consequências de uma eventual condenação tenham a sua devida repercussão no cenário eleitoral.

Não existe nem é possível existir a irregistrabilidade de candidaturas. Ricardo indaga por que Lula não poderia apostar em sua absolvição até o momento final do processo eleitoral, pois até lá pode haver absolvição.

Não é a lei que vai escolher o melhor candidato. É o eleitor.

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Direitos políticos, fake news e big data

Para Rodolfo Viana, a expressão “fake news” se tornou o sussurro da década

Rodolfo Viana Pereira

Espalhar mentiras é uma das principais habilidades do ser humano. Logo, para o advogado Rodolfo Viana, Descartes estava redondamente enganado – a máxima deveria ser “minto, logo existo”.

A mentira pode ser vista a partir de dois olhares: um positivo (a mentira como estratégia para o bem) e outro negativo (a mentira como corrupção da alma). Nesse sentido, para Platão, o chefe da cidade estaria autorizado a mentir para proteger o bem comum. Já para Santo Agostinho, ela é um mal que deve ser combatido.

O advogado então questiona: uma vez que as fake news são necessariamente notícias mentirosas, qual seria a posição filosófica adotada pelo TSE? A conclusão é a de que o Tribunal Superior Eleitoral adotaria a tese de Santo Agostinho.

As fake news mexem profundamente com as emoções humanas, ativando assim o lado emocional de quem as recebe. Comprovando essa tese, a Revista Science divulgou uma pesquisa sobre publicações no Twitter e as principais conclusões foram: (i) as notícias verdadeiras demoram 20 vezes mais tempo para viralizar do que as falsas; (ii) as notícias falsas se propagam mais pelas pessoas comuns do que por robôs. Ou seja, as fake news são viralizadas muito menos em razão do uso de robôs e muito mais devido à atávica propensão humana de fofocar.

A grande problemática envolvendo as fake news reside nas notícias que parecem verdade, mas não são. Uma vez ativado o lado emocional, bloqueia-se a capacidade humana de racionalidade. Com os avanços da tecnologia, ainda, corre-se o risco de trapacear a realidade, como, por exemplo, por meio da manipulação de vídeos.

Contudo, há alternativas para combater as notícias falsas, sendo que a mais importante é a informação. “Onde há informação, o terreno é menos fértil para a disseminação de fake news”, pontua Viana.

Ressalta-se que no direito eleitoral há uma importante ferramenta contra as fake news: o artigo 242 do Código Eleitoral, que veda a disseminação de publicidade que cria artificialmente estados mentais, emocionais ou passionais na opinião pública. Diz a lenda, aliás, que esse artigo foi criado devido ao impacto de uma das mais famosas notícias falsas, divulgada nas eleições de 1945, segundo a qual o deputado Hugo Borghi atribuiu ao candidato Brigadeiro Gomes a fala de que não precisaria do voto dos pobres e marmiteiros. Este fato teria sido determinante na vitória de Eurico Gaspar Dutra.

Ao advogado eleitoralista, portanto, resta invocar o artigo 242 e confiar numa resposta positiva do Poder Judiciário, capaz de cessar liminarmente a disseminação da notícia mentirosa.

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Ações eleitorais. Cassação, potencialidade, gravidade e proporcionalidade

Abandonou-se o conceito de potencialidade na legislação, em contramão do padrão mundial, o que criou a necessidade de se estabelecer um método que possibilite a aferição da gravidade da conduta apta a justificar a cassação

Luiz Fernando Casagrande Pereira | Frederico Alvim | Andrea Sabbaga de Melo

Frederico Alvim e Luiz Fernando Casagrande Pereira problematizaram a utilização de conceitos indeterminados para nortear os processos de cassação na Justiça Eleitoral brasileira.

Frederico elucidou que o grande dilema é que o Direito Eleitoral dá a absoluta importância à legitimidade eleitoral, conceito de ordem política, não jurídica. Do ponto de vista epistemológico só é possível aferir graus de legitimidade do pleito, por não se tratar de um conceito assertivo, binário. Decorre disso a forte carga contramajoritária das decisões judiciais, pois o juiz deve decidir de forma binária sobre esse conceito escalonado.

Desde a mudança de paradigma introduzida pela Lei nº 9.840 de 1999, com a inclusão do artigo 41-A na Lei das Eleições, observou-se o fenômeno de cassações em massa: nos últimos anos, cerca de 5% dos prefeitos eleitos no país foram cassados. A adoção da potencialidade presumida, que se iniciou a partir dessa novação legislativa, espalhou-se para demais dispositivos legais, com a consequente conformação da jurisprudência eleitoral.

Luiz Fernando Casagrande Pereira discorreu no sentido de que a cassação de mandato nada mais é do que restabelecer a situação que se teria caso não houvesse abuso praticado com potencialidade. Lembrou que em todos os lugares do mundo não há cassação sem demonstração da dimensão do efeito do ato no resultado eleitoral. Comparou com o sistema mexicano, que utiliza um critério aritmético de, no máximo, 5% de diferença entre a votação dos candidatos para justificar uma interferência judicial, por mais grave que seja o ilícito, pois isso consubstanciaria uma ação contramajoritária da justiça eleitoral.

Entretanto, no Brasil, prevalece o entendimento jurisprudencial de potencialidade presumida, porém temperada, porque há ainda no TSE decisões que fazem alusão a critérios quantitativos. Há uma crise de identidade na migração após alteração legislativa: tem-se um não método, de cunho intuitivo, no qual não se sabe como proceder.

Luiz Fernando Pereira elucidou a interferência do imponderável nos pleitos eleitorais, destacando a dificuldade de identificação de um determinado fator e seu consequente resultado na eleição. “Se o espaço do aleatório é gigantesco, como poderiam os juízes eleitorais apontar que determinado fato foi essencial para o resultado eleitoral?”.

Pretendendo preencher tal lacuna, Frederico apresentou uma proposta de método que permite a verificação da gravidade das consequências dos atos ilícitos. Entende, ainda, que o esquema de tipificação de condutas abusivas utilizado não atende à fluidez da realidade. O foco de sua proposta volta-se, então, à gradação do índice de constrangimento nas relações de poder, isto é, a interferência de determinada conduta abusiva aferível no momento do voto.

Para tanto, classificou em uma escala de intensidade as relações de poder em três categorias: a) invasivas ou cooptativas; b) relativamente abusivas ou semicooptativas; e c) não invasivas ou persuasivas. As cassações seriam plausíveis somente nos dois primeiros casos e, portanto, mais raras do que atualmente.

Esse modelo proposto por Frederico Alvim é um mecanismo para adequar o modelo brasileiro à tendência mundial de identificação de gravidade das condutas ilícitas eleitorais que justificariam a cassação.

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Conflito intrapartidário: quem deve julgar?

Conflitos intrapartidários e as críticas à discricionariedade do sistema: a necessária atribuição de competência à justiça eleitoral para dirimir conflitos internos dos partidos políticos

Guilherme Gonçalves

Para o advogado, a personalização das opções políticas não se demonstrou uma experiência muito bem-sucedida. A partir daí, conclui-se que o partido tem o papel de despersonalizar e projetar quem deve ser colocado como opção para a soberania popular.

Guilherme discorda da candidatura avulsa, pois acredita que nosso sistema constitucional determina que a prévia escolha em convenção partidária e a filiação são elementos típicos da elegibilidade, não podendo prescindir dos partidos políticos.

Em 88, rompeu-se com a ideia de partido como um órgão, passando a ser um ente que exerce com plena liberdade e autonomia a condição de representante, sendo-lhe atribuída a natureza de pessoa jurídica de direito privado.

O partido, ente independente e autônomo, que se submetia ao regime jurídico de sujeição especial, tem as suas disputas internas dirimidas pela justiça comum, sem a racionalidade jurídica do direito eleitoral. Ocorre que apenas a Justiça Eleitoral tem a estrutura, capacitação e compreensão política exigida para dirimir tais disputas.

Guilherme defende a restrição ao ativismo, sem a necessidade de inovação jurisprudencial. Basta que o Congresso e as forças representadas atuem para que o Projeto de Lei 181/17 (que modifica o art. 16 e 35 do Código Eleitoral) seja aprovado na Câmara de Deputados, estipulando a competência exclusiva da Justiça Eleitoral para dirimir todos os conflitos interna corporis dos partidos políticos.

Desta forma, para o advogado, restaurar-se-ia, sem nenhum resíduo autoritário, a competência da Justiça Eleitoral, para talvez avançar na luta de um direito eleitoral que cumpra o dever constitucional de uma democracia verdadeiramente eficaz.

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Presidente do VI Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Moisés Pessuti

Equipe de Relatores:
 Paulo Henrique Golambiuk, Maitê Marrez, Guilherme de Abreu e Silva, Isabel Arruda Quadros da Silva, Rafaele Balbinotte Wincardt, Emma Roberta Palú Bueno, Roberta Alves Pinto Guimarães, Wagner Luiz Zaclikevis, André Eiji Shiroma, Waldir Franco Félix Júnior, Caroline de Fátima Helpa, Eliane Bavaresco Volpato e Yasmin Brehmer Handar

Equipe de Comunicação: Luiz André Velasques, Nicole Wibe Silva e Carlos Eduardo Araujo