Debate

A verdadeira reforma política: aguardar ou já avançar?

Francieli de Campos, Fabrício Medeiros e Sidney Neves

“Menos partidos significa mais democracia? Fortalecer partidos pode significar enfraquecer minorias?”, questiona  a moderadora Francieli Campos, provocando o debate.

Com a palavra, Fabrício Medeiros afirma que a reforma política, para que possa fazer sentido, deve ter um compromisso legislativo, cidadão e de toda a sociedade brasileira envolvida de forma direta ou indireta, visando aperfeiçoar o sistema de um ponto de vista estrutural.

Destaca o advogado que a discussão não tem como objetivo chegar a conclusões sobre o tema, mas sim provocar dúvidas quanto à necessidade imperiosa de uma reforma. Em relação ao início ou avanço da verdadeira reforma política, Medeiros pontua que esta não se trata de uma “mini-reforma”, mas sim de uma mudança estrutural com berço constitucional, passando pela vontade objetiva do poder constituinte derivado brasileiro.

Para traçar um paralelo com a Emenda Constitucional 97/2017, Medeiros explicita que tal emenda representou, para alguns, a maior reforma política desde a Constituição de 1988, trazendo duas medidas que causaram impacto ao sistema político brasileiro: o fim das coligações proporcionais e a instituição de uma cláusula de desempenho.

Diferente da cláusula de barreira da Lei 9.096/95, instituto que posteriormente foi julgada inconstitucional pelo STF, a emenda 97/2017 prevê uma cláusula “reformatada”. Segundo Fabrício Medeiros, a cláusula proposta pela reforma é muito mais racional, com a aplicação diferida no tempo, e que forçaria os partidos a saírem de uma zona de conforto e partirem de imediato para a disputa de simpatia dos cidadãos na expectativa de convertê-la em votos.

Juntamente com a criação da cláusula de desempenho, surgiu a vedação de celebração das coligações proporcionais. Muitos dizem que estas tinham o objetivo de gerar uma maior transparência ao eleitor, pois esses não sabiam qual era o destino do voto dado. Todavia, mesmo a análise estando correta acerca dessa questão, Fabrício entende que esse não é o ponto de maior relevância para o sistema, de modo que o intento do constituinte era tirar os partidos políticos da zona de conforto, mexendo na estrutura partidária brasileira.

Ainda, apresenta um argumento que adensa a necessidade da referida cláusula: o de que quase cem por cento da nossa democracia é financiada com recursos públicos. Desta forma, o advogado questiona sobre a possibilidade de os partidos realizarem um espelhamento dos seus discursos e propostas com aquilo que fora efetivamente entregue aos eleitores. Posto isso, explana que a primeira eleição geral pós-emenda já sofreu os impactos da reforma, sendo que nove partidos não atingiram a cláusula. Explica o advogado que, como reflexo dessa alteração, surgiram as federações partidárias, que seriam um meio para uma fusão partidária.

Ocorre que, eleitoralmente falando, as federações funcionam de uma maneira muito aproximada às extintas coligações partidárias. Desde 2022, existem apenas três federações partidárias criadas, mas que possuem lideranças próprias, estruturas próprias e até cargos próprios. Ou seja, não funcionam como um só partido, conforme deveriam ser. Medeiros destaca que tal situação carece de mais atenção da sociedade civil e da comunidade científica, a fim de evitar que os esperados avanços da reforma já iniciada sejam perdidos durante o seu próprio curso de implementação.

Questionado sobre a pendência da integral implementação da cláusula de barreira introduzida pela EC 97/17 e se há o impedimento da continuidade da tão esperada e necessária reforma política já iniciada em 2017, Medeiros afirma que o que se pretende com essa pergunta é “avançar ou não a reforma política?”. O advogado lembra que a política é feita de oportunidades. Nesta senda, estão tramitando quatro PECs na Câmara e três no Senado que já poderiam ser analisadas caso houvesse um cenário político favorável, mesmo antes da conclusão final da cláusula de barreira em 2030. Em síntese, Medeiros afirma que, se o ambiente político for favorável e não houver um prejuízo temático do que se pretende aprovar ou está sendo implementado, pode-se avançar com a reforma.

Sidney Neves começa a sua fala dizendo que, embora o que se espera de um debate é uma contraposição, ele tem muito mais concordâncias do que discordâncias em relação à fala de Fabrício, mas que gostaria de fazer um adendo no aspecto da Reforma Política. Assim, segundo ele, quando se fala em reformas estruturais para melhorar o funcionamento do Estado e a funcionalidade daquilo que o próprio Estado entrega ao cidadão, a política é o meio para se fazer essa entrega de funcionalidade.

Também explica que, quando se trata de democracia e do aperfeiçoamento do sistema democrático brasileiro, a Reforma demonstra ressignificar a representatividade do povo no parlamento e nos espaços de poder no geral. Diz, ainda, que a reforma deve ser tratada de uma maneira própria e uma imprópria, sendo a maneira própria aquela que é originada no poder legislativo, lugar que de fato ela deve acontecer e também onde devem acontecer os debates. Mas é preciso trazer também as hipóteses que não estão na Constituição Federal – com exceção à iniciativa popular – que é uma hipótese de principiar uma reforma, citando como exemplo a Lei da Ficha Limpa, que foi acolhida pelo Congresso Nacional para ser discutida, pois houve um esforço da população brasileira em trazer instrumentos para vetar candidaturas. Diante do princípio da moralidade, essas candidaturas não poderiam prosseguir. Ainda falando sobre a Lei da Ficha Limpa, afirma que esta trouxe uma barafunda acerca da questão das inelegibilidades, assunto esse que tem tentado tornar mais racional.

Neves traz ao debate um atuante negativo no processo de reforma e que é responsável pela supressão de dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro: o Supremo Tribunal Federal, quando faz o controle de constitucionalidade concentrado. Citando como exemplo a ADI 4650, que foi objeto de discussão no STF, aborda a provocação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, que debateu o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas de direito privado. Ressalta que é necessário dizer qual foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da questão: o sistema estava incompatível com o sistema democrático.

Pega como gancho o entendimento do STF e traz à tona outra hipótese, o financiamento da democracia, e que essa problemática tem como solução uma reforma. Cita como exemplo os partidos fisiológicos e programáticos e exalta o papel fundamental que os partidos políticos têm no sistema democrático.

Por fim, diz que o sistema político precisa ser mais racional e que dentro dessa questão destaca os partidos programáticos. Quando questionado sobre quais temas estruturantes abordados na reforma acha mais relevantes, aponta a alteração no sistema representativo, trazendo dados relevantes para a discussão.

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Inteligência Artificial e Política: Ações afirmativas de gênero e Democracia: por que a representatividade importa?

Flávia Viana

Com uma imagem de fundo vermelho e imagens de mulheres que marcaram a história, a fala iniciou com a tradução e citação que constava no slide: “Eu sou eternamente grata às mulheres que antes de mim lutaram pelos meus direitos”.

Referenciando-se os movimentos sufragistas do final do século XIX e início do século XX, que buscavam permitir à mulher votar e ser votada, demonstrou como essa etapa foi vital para as conquistas brasileiras.

Em 1927 o Rio Grande do Norte, após revogação de proibições de gênero, teve a primeira prefeita na América Latina, Alzira Soriano. Em 1932, junto da criação da Justiça Eleitoral, permitiu-se o voto e a candidatura femininas, possibilitando em 1933 a eleição de Carlota Pereira de Queirós. Entretanto, o voto era permitido às mulheres acima de 21 anos, viúvas ou solteiras e com renda própria. As casadas deveriam pedir autorização para o marido para poder votar.

A Constituição de 1934 trouxe o sufrágio feminino, sendo, porém, facultativo para a mulher que não exercia função pública remunerada. Em 1965 o voto tornou-se obrigatório, sendo, porém, vedado aos não alfabetizados, direito conquistado apenas em 1985. O que decorre dessas mudanças e até hoje permanece é um gritante cenário de sub-representatividade.

Em 1982 o percentual de mulheres na Câmara dos Deputados era 1,6%, 5% em 1986, 8% em 2002 e 9,9% em 2014. Em 2018 chegou a 15%, percentual que vai a 17,7% em 2022.

Apesar do aumento relativo, o Brasil ocupa o 133º lugar entre os países com representação feminina nos parlamentos, atrás do México, África do Sul, Equador, França e China, por exemplo.

Esses dados foram ilustrados com o que representaria em um estádio de futebol lotado, pois a baixa representação feminina dá a sensação de que elas são a torcida visitante.

Porém, Flávia frisou que “as mulheres não estão de passagem pela política, que não querem ocupar apenas lugar na arquibancada, mas querem entrar no jogo”.

Por isso tão importantes as evoluções legislativas sobre participação feminina na política. Em 1995 havia reserva de vagas de 20% para candidaturas femininas, percentual elevado para 30% em 1997.

Apenas em 2009 houve alteração para impor o preenchimento de 30% de candidaturas femininas.

Tais alterações não foram apenas em decorrência do tempo, mas sim de lutas por ocupação de espaço.

Outros avanços, conquistados por via legislativa ou jurisprudencial, também foram citados, como a destinação de 30% dos recursos dos fundos partidário e eleitoral para candidatura femininas e 30% do tempo de propaganda eleitoral gratuita.

Destacou o Caso de Valença do Piauí, de 2019, em que houve a cassação de toda a chapa por conta de fraude nas candidaturas femininas. Essa nova compreensão reconfigurou a relevância do tema.

Na sequência veio a Emenda Constitucional 111/2021 que estabeleceu a regra de contagem em dobro, nas eleições de 2022 a 2030, dos votos dados a mulheres e pessoas negras candidatas a cadeiras na Câmara Federal para efeitos de distribuição dos fundos partidário e eleitoral.

Fez comentários sobre a Emenda Constitucional 117/2022, que embora tenha constitucionalizado a obrigatoriedade de aplicação de 30% dos recursos públicos a candidaturas femininas, acabou por anistiar os partidos que não cumpriram tais cotas em anos e eleições anteriores.

Por fim, em 2024, agora contamos com a Súmula 73 do TSE que deu contornos à fraude à cota de gênero a partir dos parâmetros consolidados na jurisprudência.

Flávia então perguntou: “Se existe legislação, se tribunais já puniram as fraudes, por que os partidos ainda não tratam as candidaturas femininas com seriedade?”

Segundo ela, a resposta está no fato de as mulheres ocuparem apenas 17% dos cargos de direção nas instâncias partidárias. O que define a dinâmica política, de uma forma ou de outra, são as decisões dos partidos políticos. “Apesar dos avanços, há muitos obstáculos a serem vencidos, os passos são lentos e ainda há muito a ser feito, disse Flávia.

No aguardo da efetividade dessas mudanças, a luta se faz em todas as alas, principalmente da segurança e liberdade para exercício de campanhas eleitorais e do mandato. E quem determinou isso foi o art. 326-B do Código Eleitoral, que tipificou a violência política de gênero.

Mostrou então uma imagem de cães reunidos deliberando sobre a vida dos gatos, dizendo que “os cães por serem cães não entendem a vida dos gatos, suas expectativas e dores em evidente analogia ao que acontece com homens reunidos para decidir sobre a vida das mulheres.

Em quebra de protocolo, fez referência ao PL 1904/2024 que dispõe sobre a categorização jurídica do aborto em gestações de mais de 22 semanas como homicídio, com pena de até 20 anos. Tendo em vista as possibilidades legais de aborto no Brasil, isso significa a criminalização de uma mulher vítima de estupro a pena superior do que a que está suscetível o seu agressor.

Segundo ela, “se os homens conseguissem imaginar a dor de carregar em seu ventre, em sua vida, a memória de uma violência sexual, jamais haveria a propositura de um projeto desta natureza.”

Frisou que por sua experiência como Juíza Criminal tem ciência de que as mulheres sempre são as vítimas, observando que se os deputados homens sentissem na pele o que significa um gestação ou sua perda, um projeto tão sensível jamais teria seu regime de urgência aprovado em 23s”.

É por isso que a representatividade importa, e quanto mais representatividade houver, mais ricos e informados serão os debates e toda a sociedade ganhará, pois tais debates beneficiam não só as mulheres, mas também a democracia.

Para Flávia, “é tempo de cumprir o mandamento constitucional de construção de uma sociedade justa, solidária, livre de preconceitos e de discriminações”.

Ao final, homenageou as mulheres que lutaram no passado e reverenciando as que lutam hoje por garantia de direitos, expressando o desejo de que tenhamos vontade e coragem para mudar a história, superar obstáculos, romper estereótipos para que haja igualdade entre homens e mulheres, para que todas as pessoas possam sonhar e escolher seus caminhos sem medo, construindo um mundo plural, onde todas as pessoas sejam respeitadas e valorizadas, na beleza e na riqueza da diversidade, necessária para o fortalecimento da democracia.

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Enfoque

Educação Política para a Cidadania: a contribuição da Justiça Eleitoral 

Barbara Lobo, Lara Ferreira, Jamile Ton Kuntz e Thiago Paiva

Inicialmente, Jamile Kuntz apresenta a problemática da desinformação no atual contexto político e eleitoral do país. A partir disso, ela apresenta a única solução viável: a educação, especificamente a educação política, abrindo assim o diálogo sobre as questões pertinentes.

Com isso, Lara Ferreira realiza a introdução do contexto histórico das Escolas Judiciais Eleitorais. Ao narrar sua trajetória e alteração de posicionamento referente ao tema, apresenta que a criação dessas instituições, essenciais para a propagação da educação política cidadã, teve influência das escolas judiciais europeias. Contudo, observando a realidade do contexto brasileiro, que possui reformas mínimas de dois em dois anos durante as eleições e mutação do corpo de juízes eleitorais, foram criadas as escolas Judiciárias, que tiveram a alteração de nome de forma proposital devido à realidade fática brasileira.

Lara Ferreira aborda o objetivo dessas escolas judiciárias que, desde sua fundação em 2002, tinha o objetivo de buscar um exercício de cidadania dos eleitores brasileiros, com um enfoque nos jovens que possuíam o voto como facultativo.

Nesta seara, informa que as EJEs estavam preocupadas acerca de como operar a máquina eletrônica de votação no contexto das eleições, tendo em vista o avanço tecnológico que proporcionou a implementação das urnas eletrônicas. Ademais, outra preocupação abordada nas escolas à época era a busca por jovens para integrar o corpo de eleitores.

Ferreira apresenta como primeira fase da educação para a cidadania exercida pela justiça eleitoral a chamada de jovens menores de 18 anos, que possuíam o voto facultativo, para integrar o corpo de eleitores e que desde então começaram a se interessar pela política. Com isso, o TSE, em consonância com as escolas, lançou o programa “Eleitor do Futuro”. Ferreira relata que as escolas regionais criaram projetos frutíferos, criativos e inovadores, que, contudo, padeciam de um diálogo na mesma linguagem da população.

Ainda, Lara Ferreira relata que, na última década, o que funcionou como um vetor de organização e sistematização foi o CODEJE, que fazia encontros com o intuito de organizar os eixos que partissem de uma linguagem institucional própria da justiça eleitoral. A lógica de ter essa organização como pressuposto básico/metodológico faz sentido, porque, através dela, é possível criar material pedagógico que possa ser compartilhado e fazer a formação de formadores.

Concluindo sua fala, Ferreira apresenta o pressuposto, que seriam os eixos temáticos mínimos que desdobrariam em capacitação de formadores, dividindo esses eixos em três: o primeiro, princípios e valores democráticos; o segundo, combate à desinformação no processo eleitoral; e, por fim, participação, inclusão e diversidade.

Após a introdução à temática, Barbara Lobo traz para o centro do diálogo questões pertinentes à representatividade e inclusão de gênero e raça a serem implementadas no cotidiano eleitoral através da educação política.

Após uma explicação sobre a importância da representatividade e da participação de mulheres e negros na política, Lobo traz a importância de se preocupar em formar uma cidadania que efetivamente se preocupe com a inclusão de pessoas brancas e negras, mulheres e homens, e que todos participem do campo democrático. Com isso, Lobo conclui que, após tal formação, poderia ser viável o debate acerca de quais pessoas poderiam ter a base suficiente para dizer o que é desinformação ou não.

Lobo ainda reitera o intuito do painel, que seria “voltar duas casas” no âmbito do conhecimento acerca do tema e pensar, a partir do que as EJEs têm construído, o que é possível expandir para a sociedade, pois a justiça eleitoral tem esse trabalho. Contudo, o campo de atuação das escolas é restrito às competências da justiça eleitoral.

Em sua fala final, Lobo elabora que é tempo de se pensar em outras formas de incluir essa educação para a cidadania, uma cidadania preocupada com a inclusão de gênero e raça, que é um valor constitucional do qual não se pode abrir mão.

Logo em seguida, Thiago Paiva traz feitos das EJEs e a atuação ativa da justiça eleitoral na garantia do refinamento das políticas já aplicadas.

Adentrando ao tema, inicialmente, ele apresenta que a justiça eleitoral, através de instituições parceiras reunidas à sociedade, possui o intuito de levar sua mensagem à comunidade. Ao citar o Ministro Carlos Horbach, Paiva compartilha do posicionamento de que há um grande esforço de formulação das EJEs e, através dessa citação levanta o questionamento de quais lapidações podem ser realizadas nas atuações das EJEs desde sua criação.

Paiva também informa que é necessário demonstrar o valor agregado aos atos das EJEs, que representa uma grande mudança de visão para muitos jovens, pois, com o despertar para a cidadania, muitos jovens se descobrem protagonistas de suas próprias vidas, porque vêem na cidadania uma maneira de projetar os atos educacionais das escolas judiciárias.

Ao citar diretamente as atuações e programas, Thiago Paiva traz enfoque para o projeto “Parlamento Jovem”, que trouxe voz à cerca de 44 mil jovens do ensino fundamental/médio, que se descobriram protagonistas por desvendar uma voz ativa onde quer que se encontrem.

Para concluir sua exposição, Paiva apresenta as quatro ferramentas que incentivam a participação da cidadania. A primeira é a estrita observância da Resolução 23.620/20 do TSE, que tem parâmetros mínimos para constituição de uma EJE, prevendo setores e competências de ensino. A segunda seria a necessidade de que sejam adotadas ferramentas de gestão para educação, que seriam planejamentos estratégicos para que as instituições sejam coordenadas, consigam alcançar o público-alvo e tenham um planejamento eficaz que possa identificar riscos para o projeto e quais tecnologias devem ser utilizadas. A terceira seria a inserção dos projetos/planos anuais de trabalho dos TRE’s, principal meta que as escolas devem ter. Por último, a observância do próprio objetivo estratégico número dois do TSE, que prevê no plano vigente a promoção de maior engajamento da sociedade no processo eleitoral.

Por fim, enfatiza a necessidade de ouvir a população para, somente então, ponderar soluções estratégicas para aquela comunidade, como ao exemplo dado por ele do projeto estágio-visita da justiça eleitoral, que trouxe uma experiência acadêmica para despertar em universitários o interesse pelas carreiras da justiça eleitoral, advocacia ou qualquer outra atividade relacionada ao âmbito eleitoral.

Após a conclusão, Barbara se manifesta acerca de sua concordância com a fala de Paiva e reitera a necessidade de diálogo entre as instituições e a comunidade, considerando isso uma solução para o problema da polarização, que impede o avanço da educação política.

Concluindo o painel, Jamile Kuntz também enfatiza a necessidade de empatia e reitera que o único caminho efetivo para a solução dos problemas apresentados é a educação.

Após a exposição, os palestrantes se mostraram dispostos a responder às perguntas realizadas, que tinham como foco a explicação sobre as limitações de ações e a atuação da justiça eleitoral na propagação da educação política através das EJEs, em um contexto atual de polarização.

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Precedente IV

E a gravidade, como tem sido reconfigurada? Análise do precedente da embaixada do caso Bolsonaro

Marcelo Weick

O intuito do painel é trazer um caso emblemático para os e as congressistas, bem como as discussões frutíferas que dele provém. Nesta oportunidade, tratou-se do precedente que julgou a conduta do ex-Presidente Jair Bolsonaro em evento no Palácio da Alvorada para o qual foram convocados diplomatas. No exercício de sua função, propagou diversas informações contra o sistema de votação e falou negativamente sobre seu adversário eleitoral. Essa foi a primeira inelegibilidade decretada ao ex-Presidente Jair Bolsonaro.

O que se indaga é se esse precedente altera o modo de interpretar os abusos e ilícitos eleitorais no elemento típico da “gravidade”. Weick ressaltou que até 2010 não existia a gravidade, mas sim o instituto da potencialidade, ou seja, aferir por meio de cálculos o nível em que os fatos afetavam a disputa eleitoral. Era realizar cálculos para conceber os impactos e a probabilidade de ter interferido no pleito a ponto de alterar seus resultados.

Entretanto, com a Lei Complementar nº 135/2010 e o art. 22, XVI, passou-se a definir a gravidade como requisito na apuração da conduta ilícita. O cenário é alterado, não há mais o juízo de impacto efetivo no resultado das eleições, basta analisar a gravidade das circunstâncias do ilícito.

Até então, a jurisprudência era consolidada no sentido de ser necessário um juízo qualitativo, de densidade, e quantitativo, mensurando o grau de interferência na legitimidade do pleito. A potencialidade não deixa de existir, mas passa a integrar o critério quantitativo. Os critérios qualitativos definem o grau de reprovabilidade da conduta por sua forma, finalidade, contexto, circunstâncias e posição das pessoas envolvidas. Por sua vez, os quantitativos dizem respeito à repercussão e impacto no pleito.

O julgamento de abuso de poder de Bolsonaro, nesse caso, teve placar de 5 a 2 pela condenação, e as discussões dos Ministros giraram em torno dos seguintes pontos: (i) o evento em questão não se inseriu nas atividades diplomáticas de representação do país perante autoridades estrangeiras; (ii) a organização da reunião não ficou a cargo dos órgãos que seriam competentes para fazê-lo, o que demonstra não se tratar de um ato regular de governo; (iii) o evento foi realizado fora dos lugares próprios e adequados para atos de governo, sendo realizado na residência oficial (Palácio da Alvorada), local impróprio, com emprego de bens e serviços públicos; (iv) o discurso proferido teve nítido caráter de estratégia eleitoral para valorizar a imagem do candidato, bem como para manchar a imagem do principal opositor e tentar criar empatia com o eleitorado, apresentando-se como candidato perseguido e contra o sistema; (v) o discurso teve também caráter voltado a deslegitimar e colocar sob suspeita o processo eleitoral, gerando potencialmente um desincentivo à participação do eleitor com vistas à obtenção de benefícios; (vi) o discurso primou pela desinformação e por acusações sabidamente falsas ou no mínimo improváveis. Sumarizou a fala dos ministros, que concluíram que o intuito era se beneficiar, e; (vii) o discurso visava trazer benefício eleitoral.

Foram relembrados os tipos de abusos de poder: uso indevido dos meios de comunicação social, abuso político e abuso de poder econômico, um rol taxativo. Assim, Weick questionou quais seriam os traços supostamente diferenciais do julgamento da AIJE n° 814.85.2022 (Caso das embaixadas de Jair Bolsonaro).

O primeiro é a distinção quanto aos bens tutelados. Em outras cassações há a ideia da fidelidade dos resultados, liberdade de sufrágio e igualdade de oportunidades. Já nesse precedente, não se tratou de uma quebra do equilíbrio da eleição, mas do risco à valorosa confiabilidade do processo de votação. Isso se deu devido a propagação, até mesmo por mídias públicas, dessas informações errôneas que visavam interferir no processo eleitoral.

Os bens jurídicos tutelados por essas modalidades precisam estar no cerne da análise. A fidelidade dos resultados é ofendida pela fraude, a liberdade para o sufrágio pela corrupção e abuso de poder, a igualdade de oportunidades por diferentes formatos de abuso, mas resta a confiabilidade e integridade do sistema de votação.

A virada de posição, em 2018, já havia sinalizado para uma mudança de interpretação por parte da Justiça Eleitoral. A cassação do mandato de Francischini por ataque ao sistema de votação foi uma apuração qualitativa da gravidade e de forma inédita emplacou as redes sociais e plataformas virtuais como meios de comunicação social suscetíveis à categorização jurídica de “uso indevido”.

Configura-se gravidade pela somatória de aspectos qualitativos e quantitativos. O ataque ao sistema eletrônico de votação, noticiando-se fraudes que nunca ocorreram, tem repercussão nefasta na legitimidade do pleito, na estabilidade do Estado Democrático de Direito e na confiança dos eleitores nas urnas eletrônicas, utilizadas há 25 anos sem nenhuma prova de adulterações.

No caso Francischini o TSE assentou: “Além disso, reitere-se a audiência de mais de 70 mil pessoas e, até 12/11/2018, mais de 400 mil compartilhamentos, 105 mil comentários e seis milhões de visualizações”. Isso significa que os números de ações nas plataformas são essenciais para a aferição da propagação.

Durante a instrução processual, para aferir a gravidade da conduta de Jair Bolsonaro, apurou-se no perfil do Facebook de Bolsonaro, um mês após o fato, que havia: 589.000 visualizações; 55.000 comentários; 72.000 curtidas. No Instagram, no mesmo período, tinha: 587.000 visualizações; 11.000 comentários. No Twitter da TV Brasil havia: 1.186 retweets; 77 tweets; 3.904 curtidas; o link exibe, no vídeo, o total de 62.200 espectadores. Na transmissão ao vivo, pela TV Brasil e pelo Facebook, foram alcançadas: 178.000 visualizações da postagem na página; mais 348.400 pessoas alcançadas; 20 mil curtidas; 43.300 comentários e compartilhamentos.

O que se tira do precedente? Ele apenas confirma a virada jurisprudencial de 2018, em colocar a propagação da quebra da confiança e da integridade do sufrágio como uso indevido das mídias sociais. Em 2022, o presidente propagou (des)informações sobre as eleições.

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Precedente VI

A Caminho de um Direito Eleitoral Constitucional

Carlos Eduardo Frazão

Recentemente, em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1.089), o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a tese de que “a inelegibilidade por parentesco prevista no artigo 14, § 7º, não impede que cônjuge, companheiros ou familiares ocupem concomitantemente e na mesma unidade da federação os cargos de chefe do poder Executivo e de presidente da Casa Legislativa”.

Sobre o tema, Carlos Eduardo Frazão trouxe importantes reflexões sobre os caminhos do direito eleitoral constitucional.  De início, fez breve síntese da referida ADPF, ajuizada pelo PSB, através da qual o partido requereu aplicação do artigo 14, §7º para impedir que parentes consanguíneos de até 2º grau ocupassem simultaneamente a chefia dos Poderes Executivo e Legislativo, por alegada violação aos princípios republicanos e democráticos, em especial o princípio da impessoalidade e o princípio da separação dos poderes.

Sustentou que o constituinte de 1988 não entregou uma resposta pronta para a solução da controvérsia e, partindo desta premissa, defendeu a necessidade de identificar uma solução para a questão à luz dos princípios constitucionais, em especial a partir dos direitos políticos.  De acordo com Frazão, essa sistemática não é novidade para o STF, que já enfrentou outros casos de vácuo constitucional, como o paradigmático precedente do Prefeito Itinerante, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes. O caso tratava sobre a possibilidade de um terceiro mandato de uma mesma pessoa em município diverso do que exerceu o cargo de Prefeito por outros dois mandatos anteriores. O STF, por sua vez, com base na vedação à perpetuidade de uma pessoa ou mesmo grupo familiar no poder, entendeu que a condição de prefeito itinerante era inconstitucional.

A decisão foi criticada pelo painelista, sob o fundamento de que, na ausência de resposta do ordenamento jurídico para a solução da controvérsia, é preciso prestigiar as liberdades individuais em detrimento dos preceitos morais coletivos. Em suas palavras: “quando eu tenho um conflito de soberania popular de um lado, isso envolve a dimensão da cidadania passiva que é o direito de ser votado, e um direito transindividual coletivo. Prima face eu devo prestigiar a liberdade passiva”.

Ainda, criticou o precedente por criar verdadeira regra de inelegibilidade pela via judicial. Esta decisão, em sua opinião, não se coaduna com os preceitos constitucionais das liberdades políticas, pois denota certa desconfiança em relação às escolhas legítimas dos cidadãos, em um paternalismo excessivo do Poder Judiciário. Segundo Frazão, são interferências perigosas, motivo pelo qual defendeu a adoção de “uma postura de maior minimalismo judicial para a justiça eleitoral”.

Encerrando suas considerações acerca do precedente, o expositor ressaltou que, no julgamento da ADPF 1089, o STF chegou a uma conclusão diferente: o voto da Ministra Carmem Lúcia se debruçou exatamente sobre o anterior paradigma, decidindo, porém pela impossibilidade de interpretação extensiva do art. 14, §7º da Constituição Federal, quanto mais para se efetuar restrição de direitos fundamentais – o que foi acolhido pela maioria dos Ministros. Para o painelista, a decisão proferida pelo STF no julgamento é um grande passo para o Direito Eleitoral Brasileiro, já que o direcionou ao caminho de sua constitucionalização.

Já se encaminhando para a conclusão, o expositor salientou que, para a continuidade deste caminho, devem ser adotadas três premissas. A primeira delas é uma premissa filosófica, em que devemos prestigiar ao mesmo tempo e na mesma intensidade a liberdade e a igualdade. A segunda é um marco teórico de democracia liberal, que respeita os direitos fundamentais, e notadamente os direitos fundamentais das minorias. A terceira e última premissa é de que os direitos políticos precisam se reconectar com a dogmática dos direitos fundamentais de eficácia expansiva, não podendo, pela via hermenêutica, restringir o pleno exercício dos direitos políticos. Por fim, Frazão concluiu que não podemos nos habituar com a retórica do republicanismo e da moralidade e nos esquecermos de que estamos diante de liberdades individuais fundamentais.

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Masterclass 6

Provas Judiciais em tempos de intersecção entre Direito e Tecnologia: boa-fé processual ou alienação tecnológica?

Alexandre Basílio

A Intersecção entre Direito e Tecnologia é uma realidade. Neste contexto, Alexandre Basílio trouxe uma importante discussão a respeito de provas digitais e seu uso no judiciário, em especial no cenário eleitoral.

Para destacar a relevância e o perigo do tema, expôs, de forma prática, seis – dentre várias – formas de manipulação de provas digitais, algumas identificáveis somente através de perícia: (1) utilização de sítios automatizados para criação de diálogos falsos; (2) manipulação através do código HTML; (3) ataques DNS Spoofing e MITM (Man In The Middle); (4) Manipulação do destinatário; (5) Quoted Message e (6) DataBase Hacked.

Diante da complexidade de algumas formas de manipulação, ressaltou que nem mesmo as atas notariais – tradicionais ou digitais – são cem por cento seguras. Em verdade, cartórios e sistemas que não cumprem normas de cibersegurança também são vulneráveis, podendo entregar atas notariais questionáveis – ainda que frequentemente sejam colocadas como provas incontroversas dentro de processos judiciais.

Além de apresentar relevantes precedentes jurídicos sobre a temática, o expositor destrinchou complexos termos tecnológicos, explicando de maneira didática as diversas formas de ataque à realidade digital e suas possíveis – e por vezes reais – consequências no cenário judicial eleitoral.

A partir de uma exposição interativa e pedagógica: criou uma falsa ligação de vídeo com o Papa; alterou manchetes do site do IX CBDE; modificou a composição dos membros do Tribunal Superior Eleitoral no sítio eletrônico da Corte; e até mesmo adulterou mensagens encaminhadas, em tempo real, por um integrante da plateia para um número disponibilizado durante o masterclass.

Ou seja, Basílio demonstrou, ao vivo, desde formas mais simples de fraude até a mais complexas possibilidades de alteração do conteúdo de sítios eletrônicos e redes sociais, bem como a viabilidade de criação de conversas e diálogos artificiais no WhatsApp.

Todos os artifícios de falsificação de provas digitais que, na falta de conhecimento técnico de juristas ou peritos, facilmente poderiam ocasionar a cassação de mandatos, a abertura denúncias por compra de voto, condenações por propaganda eleitoral antecipada ou até mesmo a validação de filiações partidárias com base na Súmula nº 20 do Tribunal Superior Eleitoral.

Ao final de sua masterclass, Basílio ressaltou que a adulteração de provas digitais e a construção de narrativas artificiais para manipulação do debate político já é uma realidade. É necessário, portanto, não somente rígido controle estatal, como também capacitação técnica e cuidado dos operadores do Direito que coletam e manuseiam provas digitais, em especial para garantia da legitimidade, integridade, isonomia e legalidade do processo eleitoral, visando a conservação da ordem democrática.

 

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Equipe de Relatoria

Ana Carolina Teixeira de Abreu
Ana Luiza Palma
Emanuele Bolzan
Erika Rocha da Silva Costa
Gabriel Gomes dos Santos Lopes
Isabela Sales
Luiz Augusto Cunha
Luslayra Valichi
Maria Lúcia Barreiros
Marlon Henrique de Matos Brito
Matheus Oliva
Victor Buffon da Silva
Vitória Simioni

Equipe de Comissários

Evelyn Melo Silva
Milton César Tomba da Rocha
Priscilla Conti Bartolomeu
Rafaele Balbinotte Wincardt

Equipe de Comunicação e Marketing

Carlos Eduardo Pereira
Emerson Stempin
Gabriel Antonio Faria
Gissely Araujo
Josué Ferreira
Juliana Malinowski
Laura Weiss Stempin
Luiz André Velasques
Manuela Gonçalves
Mateus Silveira
Rayane Adão
Renan Pagno
Vanessa Pessoa Rosa

Equipe de Supervisores da Relatoria

Laila Viana de Azevedo Melo
Luiz Paulo Muller Franqui
Maitê Chaves Nakad Marrez
Monique de Medeiros Linhares
Nahomi Helena de Santana

Presidente do IPRADE

Paulo Henrique Golambiuk

Presidente do IBRADE

Marcelo Ribeiro

Coordenadora-Geral da ABRADEP

Vânia Siciliano Aieta

Presidente do IX Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral

Guilherme Gonçalves