KEYNOTE – CONFERÊNCIA MAGNA

Democracia, eleições, sistema político e fake news

 

Ministro Luís Roberto Barroso

O constitucionalismo democrático é a grande ideologia vitoriosa do século XX. De um lado a concepção de poder limitado e respeito aos direitos fundamentais e de outro a democracia como sendo a soberania popular, a vontade de maioria.

Partindo deste pressuposto, o Ministro Luís Roberto Barroso iniciou sua conferência magna enfatizando que a experiência democrática não se esgota um único momento, mas se prolonga ao longo do tempo em todo o mandato eletivo.

Todo este modelo consolidado e vitorioso atravessou a primeira década do século XXI, mas passou a enfrentar recentemente ataques de diversas frentes e dificuldades de estabilização. Essencialmente, começou a se perceber que os sistemas eleitorais não dão mais voz e relevância à cidadania.

Esta crise pode ser simbolizada por três fenômenos distintos que se somaram para provocar a erosão democrática. O primeiro deles é o populismo, que se apresenta por um conjunto de mecanismos de apelos mais imediatos aos instintos da população atendendo demandas com uma conta cara a se pagar, procura estabelecer canais direto de comunicação entre governante e eleitorado com certo desprezo às instituições estabelecidas.  O segundo é o conservadorismo radical e intolerante que guarda em si mesmo as suas características problemáticas, quais sejam a própria intolerância e o radicalismo na não aceitação do outro. O terceiro fenômeno que fecha o enredo da erosão democrática contemporânea é autoritarismo, elemento este que sempre esteve subjacente a experiências históricas.

Esta erosão ou recessão democrática tem sido conduzida por líderes políticos eleitos, que invocam a legitimidade eleitoral para, de dentro do sistema, desconstruir os pilares da democracia.

Neste contexto se amplifica a importância da Justiça Eleitoral e das instituições basilares do Estado Democrático de Direito.

Em um momento inédito de enfrentamento de pandemia, a Justiça Eleitoral se adequa às necessidades e preocupações do eleitorado e projeta, caminhando ao lado do conhecimento científico, alternativas viáveis para dar completa segurança ao processo eleitoral.

Além das questões práticas de compatibilização do processo eleitoral à realidade pandêmica, a Justiça Eleitoral não se furtará ao seu dever de lutar contra a desinformação.

Neste sentido, segundo o Ministro Luís Roberto Barroso caberá à Justiça Eleitoral promover três grandes campanhas neste período, sejam elas: voto consciente, atração de jovens para a política e o empoderamento feminino.

Na questão do voto consciente reside a importância do combate a desinformação.

Sabe-se que a liberdade de expressão é um dos valores mais importantes da democracia. Apesar deste valor tolerar o extremo exercício da liberdade de expressão, a democracia deve se preocupar com as milícias que utilizam destas prerrogativas para tentar intimidar àqueles de quem discordam.

Logo, espera-se que todas as democracias estejam se preparando para enfrentar as milícias digitais que procuram intimidar as pessoas, os terroristas verbais que produzem vítimas inocentes com mentiras e difamação.

Assim, o enfrentamento das fake news deve se dar pelas próprias mídias sociais, imprensa e agencias de verificação de notícias. Deve-se combater inundando o mercado das ideias com notícias verdadeiras e checadas para desmistificar a mentira deliberada.

A democracia é feita de uma disputa de argumentos, para que os melhores prevaleçam, e não de uma desqualificação do outro.

Para o Ministro Luís Roberto Barroso, este conteúdo categórico das premissas democráticas demonstra que qualquer circunstância pode ser resolvida de uma maneira educada, civilizada, com argumentos e não com ataques, em prevalência ao sentimento democrático.

No que se refere a mudanças efetivas, o Ministro Luís Roberto Barroso vislumbra modelos de reforma eleitoral como alternativa para minimizar os atuais problemas vivenciados. Especialmente àquela que propõe um sistema de voto distrital misto, que visa diminuir a distorção entre voto e representatividade, e formas de ajuste institucional que atenuem os problemas do hiperpresidencialismo brasileiro, aproximando-se da dualidade entre presidencialismo e parlamentarismo como a encontrada no modelo português.

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ARENA TALKS DEBATE – COTAS RACIAIS E ELEIÇÕES

 

Andrea Sabbagga De Melo | Ricardo Penteado | André Costa

Andrea Sabbaga de Melo iniciou o painel ressaltando que em que pese a maioria da população brasileira ser negra, em 45% dos municípios nas eleições de 2016 não tiveram candidatos a prefeitos negros. Destacou que não há norma que obrigue a participação dos negros nas candidaturas nos moldes que ocorre com a cota de gênero, mas ressaltou a importância de se atendar ao tema.

Ricardo Penteado observou acerca da importância de não se negar a existência de um racismo estrutural no Brasil e que o fazer é semelhante a dizer que a COVID-19 é uma gripezinha. A gravidade, disse, é inegável e que é necessário que o Estado faça muito para o progresso dessa questão, dispondo à sociedade soluções que permitam superar desigualdades dessa ordem.

Penteado afirmou ainda que a questão das cotas para negros nos processos político-eleitorais, principalmente no âmbito da consulta realizada por Benedita da Silva no TSE (nº 0600306-47.2019.6.00.0000), versa, centralmente, sobre o financiamento dessas candidaturas e a forma como os partidos lhes oferecem estímulos.

Refletiu que a pouca presença negra e indígena, bem como a feminina, no Congresso Nacional, retrata uma percepção equivocada da sociedade para a qual pessoas de tais grupos não teriam capacidade ou qualificação para a representação política de seus pares.

Nesse sentido, o debatedor sugeriu que o que se deve buscar é uma realidade que possibilite a representação de qualquer grupo, mesmo minoritário, por qualquer pessoa, sem que as pautas pertinentes precisem ser assumidas, necessariamente, por integrantes desses grupos minoritários. Disse ainda que o Congresso, hoje, é um retrato do que é a visão do brasileiro da política e daqueles que podem representar os cidadãos.

O pleito sobre a questão é, principalmente, que sejam destinados recursos compatíveis com a quantidade de candidatos negros existentes nos partidos. Então, disse Ricardo Penteado, o ideal deveria ser a divisão igualitária dos fundos partidário e eleitoral entre todos os candidatos. O debatedor fez o seguinte questionamento: qual é o problema com essa solução que se apresenta tão óbvia?

Responde aludindo que o sistema proporcional com lista aberta parametriza que o eleitor não vota em candidatos, mas em partidos políticos, a partir dos quais se dividem as vagas aos candidatos daquela agremiação partidária. A intervenção estatal, considerando o sistema proporcional, é bastante complexa, uma vez que a partir do momento que se vincula a destinação de recursos pelo Estado, cria-se um abalo incompatível com o sistema proporcional de lista aberta.

Penteado afirmou que a legislação deve ter preocupação com o implemento da igualdade, mas observa que, na seara política, as desigualdades surgem, de forma natural, como uma escolha da própria sociedade. Assevera o debatedor que isso não se configura, necessariamente, como a expressão de um preconceito. Sugeriu, ainda, que deve ser pensada uma compatibilização do financiamento e sua distribuição com o sistema proporcional.

Penteado afirmou que a imposição de cotas há não apenas interfere na autonomia partidária, mas também no próprio sistema proporcional. Ele disse que, embora seja desejável um Congresso diverso, este deve ser constituído como resultado de uma expressão democrática da própria sociedade.

Diferenciou, ainda, a existência de cotas no mercado de trabalho e universidades e na política, que deve prezar sempre pelo surgimento de lideranças representativas. Finalizou defendendo que os partidos precisam ter a liberdade de estruturas as estratégias de acordo com sua ideologia e necessidade política.

André Costa iniciou trazendo seu posicionamento acerca das cotas raciais nas eleições: acredita que a história mostra que as cotas são essenciais para gerar mudanças. Relatou que existem projetos no legislativo tratando de questões de representatividade que não avançam por muitos anos em virtude de algumas resistências.

Afirma que não é possível esperar milagres, e que nossa história é marcada por séculos de escravidão. André entende que a abolição da escravidão não seguiu junto a uma política de inclusão. Entende que a reserva de vagas em matéria eleitoral depende do legislativo, mas que uma justa divisão de tempos de propaganda e meios de comunicação, por exemplo, pode sofrer influências positivas do judiciário.

Afirmou que após 2017, o STF se posicionou a favor da constitucionalidade da reserva de vagas em concursos públicos, e que este foi um importante marco na busca pela igualdade racial. Disse que é preciso realizar adequações, e que a classe política e a sociedade devem ter como uma de suas finalidades a ampliação de mecanismos para combater o racismo estrutural e institucional.

Aduziu que é fundamental que existam as ações afirmativas, e que as cotas são o primeiro passo para se alcançar metas de igualdade racial. Citou como exemplo o período de cotas nas Universidades públicas, momento em que se verificou a presença de mais alunos negros em toda a história do Brasil.

André defendeu que a defesa das ações afirmativas é fundamental para buscar maior inclusão, e que ser antirracista, hoje no Brasil, significa implantar mecanismos que, de fato, incluam a população negra.

André Costa foi indagado por Andrea Sabagga se as cotas seriam medidas suficientes à superação da problemática. O debatedor afirmou que não, mas que é um fundamental ponto de partida. Não se pode esperar que essas mudanças ocorram direto legislativo espontaneamente, sem perpassar antes pela dinâmica interna dos partidos.

Ele desconhece a existência de aplicação de cotas internamente nos partidos (tanto nas filiações quanto nos órgãos de direção). São medidas temporárias, mas extremamente necessárias na atual conjuntura, para estabelecer uma igualdade e participação nos partidos e nas representações. É o primeiro passo, porque não podemos esperar a cultura, que é racista, mudar, mas adotar uma postura antirracista que é garantir os espaços aos negros nos parlamentos, poderes públicos e estados de poder.

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TED ALIKE – ABUSO DO PODER RELIGIOSO

 

Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro

Na noite desta segunda (17), foi exposto o primeiro TED Alike do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, realizado pela advogada Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro e tendo como tema o “abuso do poder religioso”. Em sua introdução, a palestrante ressaltou que muitas pessoas tem a fé como um dos principais pilares da vida, o que não se confunde com a religião, visto que esse segundo conceito se caracteriza pelo conjunto de ideias e crenças específicas.

A fé transborda as perspectivas da religião, tanto é que o dicionário apresenta o seu conceito pelo sentido de convicção, sendo que o direito segue essa mesma premissa, tanto que falamos “quem age de boa-fé” e até mesmo o termo “fé pública”.

Com base nessa perspectiva, tem-se que o voto do eleitor é um ato de fé, movido pela convicção de que determinado candidato fará a diferença. E o voto do eleitor descrente também possui fé, pois acredita que com o seu voto as coisas vão mudar.

Além disso, inúmeras profissões procuram desvendar os critérios que levam o eleitor a votar em determinado candidato, mas ainda não conseguiram obter uma resposta plausível sobre essas razões. Isso gera a compreensão de que essa decisão não é racional, tanto na escolha do representante, como na fé. São muitos os motivos que levam cidadãos a votar em determinado candidato, sejam intuitivos ou emocionais.

Com base nessas concepções, a palestrante apresentou o questionamento: seria correto criar uma nova figura de abuso do poder que tenha como base as entidades e autoridades religiosas?

Para responder essa questão, Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro salientou que a legislação eleitoral não apresenta indicativos de que a fé religiosa não possa participar do processo eleitoral. Tanto é que as únicas proibições legais estão relacionadas com a vedação ao financiamento por pessoas jurídicas, o que inclui as entidades religiosas e a proibição à realização de propaganda eleitoral de uso comum, o que abarca os templos religiosos.

Além disso, não se encontra na Constituição da República qualquer blindagem contra a participação do fenômeno religioso do processo eleitoral. Em específico sobre as autoridades eclesiásticas, vê-se que não há impedimento de participação ou mesmo determinação para que se desincompatibilizem dos seus cargos na entidade religiosa. Concepção essa divergente do entendimento disposto na Constituição de 1891, que vedava o direito ao sufrágio aos membros de entidades religiosas.

Com isso, tem-se que a fé religiosa é elemento neutro e livre de intervenção e tutela estatal e esse silêncio da Constituição e da legislação eleitoral tem por objetivo igualar todos os grupos independentemente de seus interesses, fazendo com haja um indiferente legal e constitucional sobre a participação das entidades religiosas no processo de escolha dos representantes.

O espaço de debate deve ser respeitado e se houver configuração de abuso, as previsões normativas dispostas na Constituição e na legislação eleitoral são suficientes para coibir as irregularidades.

Ainda, fé religiosa, em maior ou menor extensão, constitui elemento intrínseco da humanidade e pode fazer parte, não somente da vida privada, mas também do processo eleitoral. A partir desta perspectiva, vê-se que qualquer fé é válida na disputa eleitoral, religiosa ou não, pois ninguém pode ser privado de seus direitos em razão da sua crença.

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UM POR UM – COMPLIANCE PARTIDÁRIO

 

Entrevistadora: Maitê Nakad Marrez | Entrevistado: Rodolfo Viana

A entrevista tem início com a entrevistadora, Dra. Maitê Marrez, apontando o quadro de descrédito dos partidos políticos na realidade brasileira, considerando a crise institucional pela qual passam e, em contexto mais amplo, uma crise da democracia. Afirma, nesse sentido, que diversas pesquisas apontam que a maior parte da população não se identifica com nenhum dos partidos políticos no Brasil. A partir desse contexto, parte para o questionamento do que é propriamente o “compliance partidário”, como essa proposta chegou aos partidos políticos e o seu atual cenário de aplicação no país.

O entrevistado, então, Dr. Rodolfo Viana, pontua que o compliance, de uma forma geral, é o resultado de uma preocupação em levar a sério a pessoa jurídica. Exige-se, portanto, a construção de um sistema de governança constituído a partir de boas práticas e métodos de monitoramento que, certamente, levarão a pessoa jurídica a ter uma perspectiva de sustentabilidade a longo prazo.

Em virtude disso, pode-se dizer que compliance, enquanto conjunto de sistemas, regras e princípios, também é considerado um pilar de governança que deve ser aplicado a qualquer organização, inclusive, aos partidos políticos.

Trata-se, portanto, de tema bastante vasto, que representa um conjunto de procedimentos que atesta a conformidade das organizações a determinados parâmetros. Assim, o compliance aplicado aos partidos políticos se insere em um universo contido no universo geral das políticas de compliance que é o de compliance de integridade, sobretudo, com a onda brasileira de combate à corrupção, que teve como marco a legislação federal dos anos de 2013 e 2014.

O professor Rodolfo Viana afirma, ainda,  dizer respeito a muito mais do que apenas a detecção de práticas de corrupção ou suborno, mas o compliance de integridade corresponde, sobretudo, a uma gestão de conflitos de interesse, concessão de vantagens indevidas e fraudes, além do combate a comportamento antiéticos, como as várias formas de assédio nas instituições, por exemplo.

Além disso, menciona o prof. Rodolfo Viana que a aplicação de políticas de compliance em partidos políticos enfrenta um conjunto de dificuldades. Tanto o é que mesmo depois da enorme publicidade realizada pelos partidos políticos no ano de 2019 quanto à adoção de políticas de compliance interno, nenhuma delas foi efetivamente bem sucedida. Atribui-se tal insucesso, dentre outras razões à estrutura tradicional e pouco transparente dos partidos, especialmente quanto à gestão de recursos e do “modelo de negócios” das agremiações partidárias. Trata-se de uma série de estruturas ainda calcadas em modelos com fluxos de decisão que nem sempre visam à lógica do melhor interesse da organização, notadamente em decorrência de um viés aristocrático ainda latente.

Ressaltou, ademais, que não apenas o combate à corrupção, mas também a gestão de conflitos de interesse torna a aplicação do compliance de integridade nas organizações partidárias um processo de extrema dificuldade. Nesse sentido, “imaginar que os partidos terão sempre que beneficiar o melhor interesse da agremiação em vez de interesses particulares é muito difícil no cenário atual”, afirmou o palestrante.

Outrossim, também não se ignora o fato de os partidos políticos já se submeterem a um minucioso controle de suas contas. Nessa toada, o compliance representa um passo adiante, na medida em que passa a verificar não apenas a lisura e a higidez, mas também a qualidade dos gastos, como uma exigência mínima de governança de qualquer corporação, potencializada pela quantidade de recursos públicos percebida por estas instituições.

Em seguida, destacou que outra particularidade do compliance partidário diz respeito ao fato de que os partidos políticos possuem propósitos diferentes das demais organizações que normalmente adotam políticas de compliance. Isso porque têm como objetivo a conquista do poder a partir de um programa que expõe os seus princípios e projetos. Tal qualificação impõe uma reanálise da aplicabilidade de algumas noções do compliance à sua realidade.

Nesse diapasão, afirmou o professor que a maior dificuldade da operacionalização do compliance de integridade consiste na aplicação cotidiana dos mecanismos de administração, diante dos conflitos de interesse, e gestão de pessoas e de fornecedores, bem como também de eventuais denúncias oriundas dos diversos canais, que hão de funcionar como uma espécie de pressão sobre os partidos políticos. Assim, mais do que a instauração das políticas de compliance, exige-se a sua aplicabilidade e efetividade.

Ato contínuo, a Dra. Maitê Marrez questionou acerca do debate que recentemente movimentou as Casas Legislativas, especificamente, sobre o Projeto de Lei n.º 429, de autoria do senador Antônio Anastasia, que prevê a normatização de políticas de compliance para partidos políticos. Na opinião do entrevistado, essa é considerada a proposta mais completa acerca da aplicação de políticas de compliance em partidos políticos, inobstante tenha lembrado que alguns pontos merecem ressalvas, especialmente considerando que os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado e possuidores de  uma autonomia de cariz constitucional, que deve, entretanto, ser analisada diante dos limites da própria constituição.

Nesse diapasão, o primeiro ponto a ser mencionado é que o projeto de lei parte de uma modelagem de compliance de integridade em conformidade com a legislação brasileira anticorrupção. Incorpora-se, portanto a tradição da legislação pátria, trazendo critérios para a adequação dos diretórios nacionais, estaduais e municipais, sendo a proposta calcada, portanto a uma primeira vista, em uma visão adequada do compliance perante o ordenamento jurídico brasileiro. Assim, é reforçada a exigência de que tal política não apenas exista, mas tenha sua efetividade atestada, aspecto ratificado pela imposição de sanções diversas para a inexistência (12 meses de suspensão do Fundo Partidário) e a ineficiência do programa (3 meses de suspensão).

Outro questão suscitada diz respeito ao impacto que a adoção de uma política de compliance teria nos orçamentos dos partidos. Ou seja, o quanto custaria a implantação de um sistema nesses moldes. Em seguida, o entrevistado relembrou famigerado jargão normalmente utilizado nas discussões sobre o tema, algo próximo de “se você está preocupado com o custo do compliance, imagine o quanto custa não tê-lo”.

Sobre esse ponto, acrescentou que o projeto de lei propõe a criação de obrigações para todos os órgãos que compõem a estrutura interna de um partido (diretório nacional, estaduais e municipais). Assim sendo, o que provavelmente acontecerá é que, caso o diploma seja aprovado, quem irá liderar os custos de implementação das políticas de compliance será o diretório nacional, que replicará as diretrizes para os demais.

Ademais, uma das exigências do programa de compliance é que a organização também cuide do seu ecossistema – a denominada gestão de integridade de terceiros – a fim de que haja não apenas um impulsionamento, mas uma  “não-contaminação” da sua estrutura por falhas de conformidade de terceiros. Nesse sentido, merece análise, na cadeia dos órgãos partidários, a certa autonomia com a qual figuram os órgãos diretivos municipais e estaduais, visto que até mesmo possuem CNPJ próprios, não podendo ser considerados tecnicamente como órgãos controlados pelo diretório nacional.

A partir desse quadro passam a emergir questionamentos acerca da relação de interdependência entre os órgãos nacionais, estaduais e municipais, que se não tecnicamente vinculados, também não possuem uma ampla autonomia. Assim, o diretório nacional poderia ser punido por atitudes não íntegras praticadas pelos seus diretórios estaduais e municipais, desde que não inaugurado procedimento específico para investigação de tais condutas. Tal fato faria recair sobre os órgãos nacionais uma enorme pressão quanto à fiscalização das agremiações a nível estadual e municipal.  Ademais, uma irregularidade cometida pelo órgão nacional importaria ainda uma espécie de sanção indireta aos diretórios estaduais e municipais.

Outra problemática deveras sensível consiste na definição da competência de quem poderá verificar a efetividade dos programas de compliance aplicados, uma vez que tal procedimento demanda vasto conhecimento técnico e um processo de auditoria próprio. No caso, o comentado projeto de lei faz recair essa responsabilidade sobre a justiça eleitoral, que deve atestar a eficácia dos programas aplicados, razão pela qual deve ser incluída, por meio do Tribunal Superior Eleitoral, juntamente com outros atores do direito eleitoral na discussão sobre o tema.

Ainda nessa temática, apresentou o professor Rodolfo Viana proposta existente no sentido de que em alguns casos, especialmente em relação a alguns pequenos diretórios municipais, que a eficácia seja atestada por meio de autodeclaração. Em outros casos, tal verificação poderia ser realizada por meio de certificados de renome internacional como a ISO 37001.

Ademais, o Projeto de Lei ainda apresenta a proposta de uma  Due Diligence de Integridade (DDI), um processo de investigação que curiosamente não envolve os próprios agentes do partido, mas apenas sobre terceiros, tais como os intermediários, como advogados e profissionais de contabilidade. Assim, tal medida deve ensejar uma pressão de adequação também sobre esses atores.

De todos os pontos mencionados, afirma o palestrante, reside no procedimento adotado o maior equívoco do projeto legislativo. É o procedimento do Art. 96 da Lei Eleitoral, de rito sumaríssimo, sem dilação probatória e com prazos de contestação bastante exíguos, aspecto que, portanto, exige alteração.

Em seguida, a entrevistadora mencionou serem diversas as discussões sobre o que estaria enquadrado no programa de compliance. Lembrou, inclusive, que a temática sempre desemboca no debate acerca da democracia intrapartidária, o que compreende também as discussões sobre cotas de gênero para cargos de direção em partidos políticos. Em função disso é que se questiona se é possível estabelecer algum campo de interseção entre esse ponto e a adoção de políticas de compliance em partidos políticos.

O professor destacou que a princípio não há uma ligação. Indiretamente, contudo, é possível dizer que os temas se comunicam, na medida em que a adoção de políticas de afirmação de cotas de gênero nos cargos de direção dos partidos pode contribuir para gerar um contexto interno em que o combate ao assédio se faz mais facilitado. Ademais, finalizou a resposta à questão ressaltando que em várias situações o compliance de integridade pode ser fortalecido pela existência de uma diversidade maior dentro do partido.

Ato contínuo, questionado sobre a suficiência de um programa de compliance de integridade apenas nos partidos políticos, sem o envolvimento a outros atores, tais como o parlamento, respondeu o prof. Rodolfo que a governança é necessária para qualquer tipo de organização. Nesse sentido, entende que “a complexidade do sistema de governança é proporcional à complexidade da organização”.

Mencionou, nessa esteira, a ISO 37001 que traz expressamente que o sistema de gestão antissuborno de uma organização deve levar em consideração os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Dito isso, é positivo que as organizações tenham proporcionalmente os seus procedimentos de governança, inclusive o compliance de integridade, devendo, portanto, obviamente também chegar ao Congresso Nacional, posto que se espera dos órgãos propositores que implementem seus programas e assumam para si o nível de exigência que se busca aplicar às organizações da sociedade civil, sejam  as empresas ou os partidos políticos.

Em seguida, mencionou a Dra. Maitê Marrez  que a  principal oposição à aplicação do compliance partidário é a autonomia partidária. Nesse sentido, questionou quais os principais pontos contrários e favoráveis e ainda se tal medida violaria a autonomia partidária constitucionalmente prevista.

Em resposta, afirmou o prof. Rodolfo Viana não vislumbrar, nenhuma violação à autonomia partidária desde que a regulação se dê por meio de uma lei específica,  sendo necessário apurar detalhadamente se certos dispositivos ferem ou não a Constituição. Assim, retoma, mencionando como um dos principais pontos negativos: a atribuição do rito do art. 96 da Lei Eleitoral, expressando a necessidade de adoção, se não do rito comum do processo civil, ao menos daquele previsto no Art. 22  da LC nº 64/90. Assim, grosso modo, afirma não enxergar grandes incômodos à autonomia partidária, apesar de considerar que o presente debate ainda tem muito a evoluir, de modo que a própria justiça eleitoral e outros órgãos da sociedade civil devem contribuir para a construção do caminho adequado e, sendo o caso, do melhor dispositivo legal para garantir a autonomia necessária e um pilar de governança a ser exigido dos partidos políticos, especialmente considerando o recebimento de verbas públicas pelas agremiações.

Nas suas considerações finais, afirmou o professor considerar muito difícil a aplicação de compliance de integridade nos partidos políticos no momento atual, visto que faz incidir uma grande pressão na gestão e operação das organizações de modo que os partidos políticos não estão preparados para tanto. Não se trata, todavia, de análise a partir da demonização dos partidos políticos, mas do entendimento de que os problemas de gestão dos partidos atualmente implicam uma dificuldade de aplicação. Assim, tão logo, tal temática será objeto de debates também no Congresso Nacional, ambiente em que deve se dar um verdadeiro “choque de dois mundos”, porquanto devem ser levados em consideração a incapacidade prática dos partidos políticos na instauração de uma política de compliance de integridade e um anseio popular revestido na relação entre compliance e combate à corrupção ora difundida.

Por fim, mencionou que a criação de uma política de compliance para os partidos políticos deve ensejar uma exigência de adequação especialmente por parte de profissionais como advogados e contadores, caracterizados como intermediários, grupo conceitualmente de alto risco na gestão de integridade de terceiros. Tal necessidade, que surge para esses profissionais, deve também incidir sobre a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral, na qualidade de  órgãos de fiscalização. Afirmou tratar-se, portanto, de questão de grande ordem de complexidade, que, por óbvio, não admitirá soluções fáceis.

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Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Ana Carolina de Camargo Clève

Presidente do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Diretor de Relatoria e Comissários: Paulo Henrique Golambiuk

Equipe de Relatoria: Jessica Mayara Bimbatti, Nahomi Helena de Santana, Paola Sayuri Mena Oliveira, Rafaela Farracha Labatut Pereira, Victor Rocha Costa, Franklin Sóstenes Soares Alcantara, Raniella Ferreira Legal, Salisia Menezes Peixoto, Beatriz Alves de Lima Morais, Lucas Anderson Cabral da Costa, Victor de Gois Saretti, Willian Michel Dissenha, Amanda Helena Aciari de Araujo, Giovana de Moraes Busnello dos Santos, Marina Fracaro, Stéphany Patrício, Renan Ribeiro, Matheus Rocha Campos de Souza Neto, Márcio Augustus Barbosa Leite Timótheo, Maurício Tavares Fernandes

Equipe de Comissários: Emma Roberta Palú Bueno, Geovane Couto da Silveira, Guilherme de Abreu e Silva, Luiz Paulo Muller Franqui, Maitê Chaves Nakad Marrez, Rafaele Balbinotte Wincardt, Roberta Guimarães, Tainara Prado Laber, Wagner Luiz Zaclikevis, Waldir Franco Félix Júnior

Diretor de Comunicação: Luiz André Velasques

Diretora de Comunicação: Laura Hofmann Weiss 

Equipe de Comunicação e Mídias Sociais: Ana Paula Rusycki, Caroline Alberini Campitelli, Carlos Eduardo Araújo, Juliana Dal’Bó, Matheus Carvalho dos Santos, Manuela Gonçalves, Nicole Wibe Silva