ENFOQUE – PROCESSUALIZAÇÃO DO REGISTRO DE CANDIDATURA: O NOVO PARADIGMA DA RESOLUÇÃO 23609/2019

 

Mediação: Orleanes Cavalcanti de Oliveira Viana Gomes | Painelistas: Ludgero Liberato, Edilene Lobo e Jamile Coelho

A mediadora e secretária Judiciária do TRE/CE, Orleanes Cavalcanti, abriu o painel expondo a fundamentalidade do registro de candidatura no processo eleitoral. Segundo ela, por longos anos, sustentou-se uma compreensão de que prevaleceria no registro de candidatura uma leitura do “interesse público” que autorizaria, em nome da exclusão de inelegíveis, desconsiderar garantias ao devido processo legal. No entanto, cientes de que essa visão não é compatível quer com a fundamentalidade do direito à elegibilidade, quer com a abertura semântica e a dificuldade de sistematização das inúmeras causas de impedimento à candidatura presentes no ordenamento jurídico brasileiro, a Resolução 23.609/2019 transporta o registro de candidatura para um novo paradigma processual, assentado em três vetores: (i) a previsão expressa de deveres e ônus processuais para as partes; (ii) a regulamentação da cessação da candidatura sub judice, em conformidade com precedentes do STF e do TSE; (iii) a adoção de medidas indutivas do cumprimento da cota de gênero nas listas proporcionais.

Neste novo cenário, o advogado Ludgero Liberato tratou do processo de registro como atividade jurisdicional. Para ele, a Resolução 23.609/2019, de modo geral, aprofundou o tratamento jurisdicional do registro de candidatura.

Outra reflexão de Ludgero foi a respeito da compreensão pela lógica do processo, do requerimento de registro quanto a sua finalidade. Isso porque, quando se faz o registro, se requer uma constituição de uma nova situação jurídica: a de candidato, que tem direitos e deveres distintos da pessoa física. Ele tem, por exemplo, o dever de prestar contas e o direito de manejar ações eleitorais.

Outra questão é saber quando cessam os efeitos obtidos com o registro. A mera sentença de improcedência, nos termos do artigo 16-A da Lei das Eleições, é incapaz de retirar o candidato da campanha. Isso porque, quando há sentença de improcedência, a lei a atribuiu um efeito suspensivo ex legis, mas não determinou até quando durariam os efeitos suspensivos. Nas eleições de 2018, se entendeu que essa possibilidade cessa pelo exame do TSE, mas ainda não havia pacificação no caso de eleições municipais. Assim, felizmente o art. 51 da Resolução esclarece esse questionamento, o que, para Ludgero, traz maior segurança aos candidatos, a despeito do maior rigor técnico, o que garante eleições mais justas.

A doutora em direito, professora e advogada Edilene Lobo dispôs acerca do novo marco trazido pela Resolução 23.609/2019 quanto ao registro de candidatura. Segundo ela, claramente os artigos 31, 32 e 36 asseguram esse novo tempo.  Isso porque, para a professora, quando a Resolução estabelece que, a priori, a distribuição se fará pelo PJE, faz referência a um profissional indispensável à justiça, à advogada ou advogado.

Para Edilene, estamos vendo um novo paradigma, no qual não é possível falar em um novo tempo nos processos de registro se não houver uma definição clara de processo conforme a Constituição Federal. A Constituição Federal traz o processo como garantia, ou seja, uma garantia dos cidadãos. E, para que seja efetivado o processo como garantia, é preciso que sejam abandonadas velhas teses de que o processo serve apenas para aplicar punições, ou de que o processo serve para atender a um peculiar interesse da Justiça Eleitoral.

A professora destacou que essas definições de processo não merecem coadunar com esse novo tempo que se deseja inaugura com a resolução 23.609/2019. Ela registra que a resolução traz um marco do ingresso do profissional habilitado no processo. No §2° do art. 36 está previsto que o juiz, ao constatar impedimento que não tenha sido objeto de impugnação, notificará o candidato, que, pelo seu advogado, deve responder aquela questão até então não levantada.

Edilene, superando e compreendendo que as afirmações de direitos no Brasil demoram tempo para se consolidar, diz, saudando, mas criticando, que é evidente que nesse paradigma a advocacia tem um papel primordial, como previsto na CF. Para ela, sem o advogado não há distribuição eficaz de Justiça.

Ao repisar esse aspecto, que era garantido somente na prestação de contas, a Resolução 23.609/2019 traz a importância do advogado também no registro de candidatura. Isso porque, há um grande elenco de impedimentos opostos para o registro.

A Desembargadora Eleitoral do TRE/AL, Jamille Coelho, contextualizou a importância da lei de cotas e do seu respeito e fomento. Trazendo um histórico da lei de cotas, esclareceu que apenas em 2009 a legislação passou a prever a necessidade de preenchimento de candidaturas femininas. Porém, ainda assim, o respeito a essa regra permanece sendo feito “pró-forma”, e não de forma efetiva.

Mesmo assim, a representatividade das mulheres no Congresso é só de 15%. Em Alagoas, Estado de Jamile, só 22 municípios têm prefeitas. Porém, ela assegura que ainda assim essa alteração do valor percentual foi um avanço, sendo que o percentual de mulheres no Congresso cresceu consideravelmente na eleição de 2018, diante das decisões de destinação dos fundos. Ou seja, percebeu-se que além do incentivo e capacitação é necessária a estrutura, que custa caro.

A Desembargadora lembrou ainda das diversas tentativas de fraude à norma, as quais vem sendo severamente punidas pela Justiça Eleitoral. A partir dessa realidade, a Resolução 23.609 tratou da importância dos documentos anexados no CANDex sendo que, a partir de agora, os formulários para registro dos candidatos devem ser assinados por eles, passando a constar expressamente a possibilidade do não conhecimento do registro de candidatura requerida sem autorização, levando, eventualmente, ao indeferimento de todo o DRAP que não cumprir o mínimo de 30% de candidaturas femininas.

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ARENA TALKS DEBATE – A POLARIZAÇÃO POLÍTICA E A PRIVACIDADE DE DADOS

 

Paula Bernardelli | Danilo Doneda | Felipe Seligman | Estela Aranha

Na manhã do dia 18/08, foram discutidas no painel as problemáticas relacionadas ao uso indevido de dados para fins político-eleitorais.

O advogado Danilo Doneda iniciou a fala destacando a dúvida sobre ser a legislação eleitoral suficiente para lidar com essa temática. Para ele, é necessário dar um passo atrás e delimitar o problema, compreender o limite do ato de legislar sobre essa dinâmica cujos contornos ainda não são definidos. Enfatizou que ainda falta estabelecer as perguntas e questões que queremos que a legislação acompanhe, uma situação que aflige quase todos os países democráticos e ainda não apresenta solução.

As técnicas tradicionais de comunicação social, explicou, procuram a uniformização de comportamentos, candidatos e ideologias que favoreçam determinado resultado eleitoral. As redes trouxeram a cartilha da polarização a partir do momento que alguém se deu conta que amplificação de conteúdos e mensagens se dá mais facilmente pelo radicalismo de opiniões”. Por essa razão, o extremismo seria uma estratégia para arraigar seguidores e condensar o público alvo.

O palestrante afirmou sentir falta de trabalhos de comunicação social que auxiliem a ter o mínimo de clareza para que se possa partir à construção de paradigmas legais concretos. Manifestou entender que a legislação eleitoral faz o que pode ser feito, a exemplo da Resolução 23.610.

O que acontece hoje em dia é uma transferência das técnicas de marketing para o direito eleitoral”. Segundo ele, essas técnicas visam segmentos populacionais, ainda que não especificamente disseminação de notícias falsas, mas se aproveita da estrutura piramidal de difusão de informação.

Na sequência, a advogada Estela Aranha afirmou que “a polarização política sempre existiu e não está mais grave por conta das redes sociais”, mas reconheceu que elas favorecem esse tipo de comportamento e a velocidade de sua difusão. Relatou que a própria estrutura das redes leva ao que é chamado na política de “janela de Overton”, fazendo com que todas as discussões no debate público se desloquem aos extremos.

Ao deixar de ser um conteúdo igual para todos, explicou, o debate público fica comprometido como um debate entre lados que não necessariamente trabalham em cima de verdades, como se vê muito a partir das fake news.

Os termos de uso das plataformas, lembrou, têm políticas próprias que não obrigatoriamente estão vinculadas aos direitos humanos. Explicou que se percebe forte defesa da liberdade de expressão e certa consideração com a proteção de dados, mas inexistem falas sobre outros direitos afetados. Por fim, salientou a influência de robôs e a dificuldade de filtrar informações ainda que existam agências de fact checking, pois a demanda é muito grande.

Já o jornalista Felipe Seligman manifestou que sua fala seria direcionada a apresentar problemas sem necessariamente tratar das soluções, justamente pela complexidade do tema. Afirmou que a polarização e a desinformação estão 100% conectadas com a qualidade da democracia.

Ao tratar da polarização, destacou ser questão sempre presente na radicalização política e não intrínseca às redes sociais. Pontuou serem consequências de uma situação econômica difícil, da falta de perspectiva e da grande desigualdade social.

Esse panorama, afirmou, favorece a disseminação de fake news porque as pessoas consideram como notícia algo que não realmente o é, como resultado de um processo de digitalização que tira o padrão mais rígido que antes jornais e revistas possuíam. Segundo ele, isso é prejudicial pois veículos como jornais possuem instrumentos de correção e confirmação do que é postado, notícias que não são feitas para agradar, enquanto outras são construídas nesse pensamento de apelo ao ser humano como ser emocional.

Como problemas futuros, elencou lojas que manipularão small data e redes que vão surgindo com vieses ideológicos.

Por fim, a advogada Paula Bernardelli questionou de que modo a proibição da utilização de dados dos eleitores poderia servir como obstáculo à construção de pequenas campanhas. Os palestrantes concordaram que deve ser alcançado um equilíbrio.

 

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KEYNOTE – DESAFIOS ATUAIS DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

 

Flavia Viana | Ministro Sérgio Banhos

O Ministro Sérgio Silveira Banhos introduziu o tema dizendo que somos uma sociedade em transformação e que é preciso uma reforma política, na forma de arrecadação de verbas, controle de fundos partidários e concentração de poder em determinados grupos políticos, fatores que demonstram a complexidade dos desafios a serem enfrentados.

O Ministro entende que nenhuma legislação produz tanto impacto quanto as de cunho político, pois ainda que singelas, alteram dramaticamente o equilíbrio de forças, podendo tornar os outrora vitoriosos, vencidos.

Disse, ainda, que o modelo clássico de democracia se encontra em avançada crise, e que há desgaste e um crescente descrédito na política, nos políticos e nos modelos de representação.

Lembrou Giuliano Da Empoli, autor do livro “Os engenheiros do caos”, ao citar que a internet seria como um instrumento de controle, que capta uma quantidade enorme de dados para fins comerciais e sobretudo políticos, colocando em risco a democracia representativa. Destacou o entendimento do autor sobre a existência de uma impaciência coletiva oriunda de uma época em que as pessoas tem seus desejos prontamente atendidos, a exemplo dos aplicativos de delivery de comida, e que esses novos costumes geram a sensação de que já não é mais possível esperar os rituais demorados de uma máquina estatal governada por “dinossauros”.

Citou, também, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores do livro “Como as democracias morrem”, lembrando que para os autores, a erosão da democracia é um fenômeno quase imperceptível, mas é inexorável. Lembrou de Sérgio Abranches, autor de “Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro”, que entende que a democracia vai mal em todo mundo, que não é privilégio de alguns, que a crise na representação é indiscutivelmente global.

Tomando a última questão, o Ministro aludiu que a indispensabilidade de filiação para a participação político-eleitoral confere constitucional importância aos partidos políticos, razão pela qual é necessário refletir e analisar a ausência de democracia interna nas agremiações. A natureza partidarizada da representação política no Brasil exige que sejam aplicados os princípios constitucionais, também, ao funcionamento interno dos partidos políticos.

O Ministro afirmou que a autonomia partidária é uma questão, há muito, controvertida no Brasil. Muito embora a natureza de pessoa jurídica de direito privado, os partidos exercem função pública, razão pela qual devem gerar o influxo de normas de direito do Estado em suas atividades.

Afirmou que devem ser garantidas as liberdades partidárias, sem ingerência estatal, mas condicionadas aos preceitos de uma democracia representativa. A implementação de uma dinâmica democrática na estrutura interna dos partidos é obrigação constitucionalmente implícita, necessária e inegociável.

O Ministro afirmou que, se os partidos políticos são instituições que buscam concretizar a democracia, eles mesmos deveriam ser democráticos em sua atuação interna. No Brasil, a realidade na maioria dos partidos aponta que não há democracia interna nas agremiações, sendo necessária uma mudança. Afirmou que “uma democracia de partidos demanda uma democracia nos partidos”.

Conclui que a inexistência de democracia interna nos partidos significa verdadeira infração a um direito fundamental dos cidadãos o que, em última instância, significa agir contra o próprio princípio democrático.

Finalizou afirmando que a construção da sociedade é feita em mudanças continuadas e que o mundo contemporâneo está em profunda transformação. A democracia representativa clama por novos ares, que assegurem a credibilidade dos atores políticos e agremiações partidárias. Afirmou, encerrando, que os tempos de agora são de desafios constantes e a democracia intrapartidária é necessária para a democracia representativa.

 

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Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Ana Carolina de Camargo Clève

Presidente do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Diretor de Relatoria e Comissários: Paulo Henrique Golambiuk

Equipe de Relatoria: Jessica Mayara Bimbatti, Nahomi Helena de Santana, Paola Sayuri Mena Oliveira, Rafaela Farracha Labatut Pereira, Victor Rocha Costa, Franklin Sóstenes Soares Alcantara, Raniella Ferreira Legal, Salisia Menezes Peixoto, Beatriz Alves de Lima Morais, Lucas Anderson Cabral da Costa, Victor de Gois Saretti, Willian Michel Dissenha, Amanda Helena Aciari de Araujo, Giovana de Moraes Busnello dos Santos, Marina Fracaro, Stéphany Patrício, Renan Ribeiro, Matheus Rocha Campos de Souza Neto, Márcio Augustus Barbosa Leite Timótheo, Maurício Tavares Fernandes

Equipe de Comissários: Emma Roberta Palú Bueno, Geovane Couto da Silveira, Guilherme de Abreu e Silva, Luiz Paulo Muller Franqui, Maitê Chaves Nakad Marrez, Rafaele Balbinotte Wincardt, Roberta Guimarães, Tainara Prado Laber, Wagner Luiz Zaclikevis, Waldir Franco Félix Júnior

Diretor de Comunicação: Luiz André Velasques

Diretora de Comunicação: Laura Hofmann Weiss 

Equipe de Comunicação e Mídias Sociais: Ana Paula Rusycki, Caroline Alberini Campitelli, Carlos Eduardo Araújo, Juliana Dal’Bó, Matheus Carvalho dos Santos, Manuela Gonçalves, Nicole Wibe Silva