UM POR UM – ESTUDO COMPARADO SOBRE AS ELEIÇÕES EM TEMPOS DE PANDEMIA (AMÉRICA LATINA E NO MUNDO)

Entrevista com a jornalista Patrícia Campos Mello acerca dos efeitos da disseminação de informações falsas, no Brasil e na experiência internacional

 

Samara Castro | Patrícia Campos Mello

Patrícia Campos Mello, respondendo a questionamento inicial sobre o disparo em massa, apontou que diversos países possuem instrumentos para disseminar a desinformação, sendo o Facebook e o Twitter meios muito utilizados por conta falsas, e que o Brasil é o segundo mercado que mais utiliza o WhatsApp (atrás somente da Índia), o que se deve também ao fato de algumas operadoras oferecerem o uso dessa plataforma sem descontar do pacote de dados.

No WhatsApp, aponta, é possível a circulação de informações descontextualizadas sem rastros, pois até mesmo diante de medidas judiciais o repasse de dados de usuários se mostra complicado. Assim, ainda que se deva defender a criptografia nos meios de comunicação, é necessário perceber que ela possibilita a disseminação de campanha sem responsabilização, ante a dificuldade de se descobrir o autor das divulgações e de se identificar o financiador dessas disseminações.

Na sequência, Patrícia Campos citou o caso de bloqueio da conta no Paypal do Olavo de Carvalho, destacando que essa conduta se deu porque a plataforma é uma empresa privada de pagamento e Olavo teria violado os seus termos de uso. Logo, a decisão por derrubar o conta se deu claramente em virtude da forte pressão social, sem haver violação à liberdade de expressão, algo que é muito comum nesse tipo de empresa, que teme represálias de anunciantes.

Em novo questionamento, informou que nenhum país conseguiu criar uma legislação que resolva todos os problemas nessa temática. E que, no Brasil, deve-se temer a circulação de informações e o uso das redes para fazer campanha eleitoral. Como exemplo, citou que na Índia houve a criação de um programa em que o governo distribuía celulares com um aplicativo já instalado que propagava dados do usuário. Segundo ela, esse tipo de aplicativo irá chegar logo no Brasil para segmentar mensagens para eleitores específicos.

Samara Castro, na sequência, abordou a migração da audiência controlada pelas plataformas para outras, tendência que pode efetivamente chegar ao Brasil como técnica de marketing político. A isso, respondeu Patrícia que o Tribunal Superior Eleitoral vedou o disparo em massa, e que, com isso, o WhatsApp passou a processar empresas por uso irregular de sua plataforma.

Finalizando o painel, apontou Patrícia Campos que na pandemia houve uma revalorização do jornalismo profissional, justamente porque quando se trata de assunto sério – como o são os óbitos em decorrência da COVID -, a sociedade requer uma fonte confiável e não uma informação proveniente do seu grupo do WhatsApp.

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ENFOQUE – LAW FARE NO PROCESSO ELEITORAL

Lawfare é o conceito de direcionamento estratégico do Direito enquanto ferramenta persecutória ou de marginalização, apresentando relevantes impactos na estabilidade do Estado de Direito

 

Guilherme Lucchesi | Caroline Pronner | José Eduardo Cardozo | Adriano Soares da Costa

Caroline Proner, iniciando os debates, afirmou que o Lawfare é um fenômeno associado a novas formas de interferência na participação política.

Lawfare é, para a jurista, o uso instrumental do direito para derrocar regimes ou democracias e vem sendo usado como uma arma dos neofascismos.

Em conclusão, ressaltou que o Lawfare já está em andamento no Brasil, e o que mais importa no caso brasileiro é a forma como se deu: com um Judiciário forte, um Ministério Público autônomo e sem limites, e uma mídia que reforçou as disputas políticas travadas.

José Eduardo Cardozo apontou que o Lawfare tem relação direta com a degeneração do Estado de Direito. Isto, porque, o Estado de Direito é o direito governando as leis, e não o governo dos homens. No entanto, a partir do momento que o Direito assume papel central, é natural que ele seja objeto de disputas políticas, uma vez que não há práxis jurídica que não tenha relação direta com disputas de poder.

O jurista ressaltou que o aplicador do Direito nunca atuará de forma neutra, pois nem mesmo nas ciências há neutralidade. “O Lawfare, contudo, não é fruto normal das disputas políticas do Estado de Direito. O Lawfare é a degeneração do modelo de estado de direito”.

No plano eleitoral, lembrou que encontramos Lawfare rotineiramente. No Lawfare, a pressão social e outras situações do campo político são utilizadas como fundamentos jurídicos. Esse fenômeno, conclui, é o sintoma de uma crise gravíssima pela qual passa o Estado de Direito, que deve ser preservado.

Adriano Soares da Costa asseverou que o tema do Lawfare vai além de questões ideológicas. É uma guerrilha jurídica, a instrumentalização do Direito para fins além do quadro jurídico próprio. “Lawfare não tem ideologia”.

O debatedor ressalta que, no Lawfare, o direito é usado como arma, os tribunais como campo de batalha, a mídia como propaganda e a opinião pública como árbitro. Assim, no direito eleitoral, o Lawfare tem contribuído para a deslegitimação constante dos mandatos eletivos.

As eleições se transformaram no Brasil em obras abertas”. Nas ações eleitorais, a causa de pedir vai sendo modificada no curso do processo, na medida em que se tenta uma ressignificação de fatos, sem fundamento legal. Em arremate, afirmou que o direito eleitoral termina sendo não um instrumento garantidor da democracia, mas um instrumento mantenedor da fragilização do processo democrático e eleitoral.

Questionada, Caroline Proner negou que o Lawfare não tenha ideologia. Ainda, ressaltou que não devemos naturalizá-lo como um fenômeno inevitável: “O Lawfare precisa ser contido”.

Por sua vez, José Cardozo ressaltou que “O Lawfare é uma guerra, e, na guerra, todos os limites são desrespeitados”. Conclui dizendo que o Lawfare tem dois objetivos: uma guerra para matar o bom direito e uma guerra para matar a boa imagem.

Encerrando o debate, Adriano Soares da Costa esclareceu que o Lawfare, no campo do direito eleitoral, se apresenta criando um desapego constante à soberania popular. Segundo ele, portanto, a Justiça Eleitoral precisa ser repensada, pois é a maior fonte de Lawfare no direito brasileiro.

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ENFOQUE – ELEIÇÕES ADIADAS. NOVO CENÁRIO ELEITORAL

O adiamento das eleições municipais em nosso país, concretizado pela EC 107, gera reflexos não apenas no calendário, mas em todo o processo eleitoral.

 

Mediador: Luis Paulo Zolandeck | Painelistas: Ministro Tarcísio Vieira, Gustavo Severo e Angela Cignachi

Sobre o tema, o Ministro do TSE Tarcísio Vieira abriu o painel vinculando as eleições municipais e a pandemia da perspectiva da restauração do desenvolvimento da democracia, sob a qual pairam diversos ângulos de observação. Seguramente a pandemia deitou reflexos inimagináveis do ponto de vista sanitário, fiscal, social e jurídico. Todos os setores do direito eleitoral foram desafiados de uma vez só. Para o Ministro, o direito eleitoral teria sido, mais que outros setores, atingidos em cheio. Assim, sendo certo que para males extremos só são eficazes os remédios intensos, em tempos de pandemia soluções jurídicas criativas mais do que nunca têm sido cogitadas.

O direito eleitoral não tem logrado fornecer um estado de coisas que possa ser qualificado como de soluções previsíveis. No afã de dotar a ordem jurídica de instrumentos para enfrentamento, têm sido cogitadas não só leis, mas toda uma dose normativa secundária. Há, segundo o Ministro, uma especial preocupação com a qualidade material das eleições, com a democracia substancial, uma democracia que não seja meramente semântica. Em uma análise internacional, o Ministro relatou a preocupação com relação às ameaças não apenas ligadas as datas dos turnos de votação, mas de muitas outras conquistas ligadas aos signos da democracia substancial. Segundo ele, olhos abertos e ouvidos atentos nunca serão tão importantes.

Ao ser questionado sobre o que fazer se no final de outubro ou início de novembro os índices de contaminação do COVID-19 estiverem ainda em patamares que viessem a indicar, por especialistas médicos e sanitários consultados pela Justiça Eleitoral, uma nova postergação, o Ministro Tarcísio destacou o desafio deste diálogo entre o direito eleitoral e a medicina. Segundo ele, esse diálogo acaba por demonstrar a fragilidade da ciência jurídica no enfrentamento de questões para as quais o direito não foi preparado.

O advogado Gustavo Severo nos trouxe as discussões e desafios por detrás da promulgação da PEC 107. Ressaltou, ainda, a preocupação em não reabrir prazos vencidos antes de sua promulgação, bem como a de adiar por 42 dias de forma paritária todos os prazos previstos para evitar discrepâncias.

Outra preocupação foi a de retirar, na medida do possível, a influência das forças políticas locais nas definições sobre a pandemia e a necessidade de novo adiamento, o que poderia ser perigoso segundo o advogado. Essa questão foi definida do parágrafo 4º da EC, que dispõe que no caso de as condições sanitárias de um Estado ou Município não permitirem a realização das eleições nas datas previstas cabe ao Congresso Nacional, por provocação do TSE, desde que mediante parecer de autoridade sanitária nacional, editar decreto legislativo a fim de designar novas datas para a realização do pleito.

Da mesma forma, um desdobramento dessa preocupação foi manifestado no inciso VI do parágrafo 3º ao retirar o poder do juiz local de decidir ou limitar atos de propaganda. O advogado questionou até que ponto questões sanitárias serão utilizadas pelo juiz local com poder de polícia para proibir atos legítimos de propaganda.

Ainda, destacou de forma positiva a previsão do inciso II do parágrafo 3º ao prorrogar o prazo para a propositura da representação de que trata o art. 30-A até o dia 1º de março de 2021, tendo em vista que o julgamento das prestações de contas se dará até 12 de fevereiro.

Questionado sobre as consequências do adiamento para a contagem dos prazos das inelegibilidades advindas do pleito de 2012, o advogado foi categórico ao concordar com o parecer técnico da assessoria do TSE, tendo em vista que sendo o sufrágio passivo um direito fundamental, as restrições a ele não podem ser extensivas. Como se não bastasse, o Congresso Nacional discutiu essa possibilidade e a rejeitou, ou seja, optou por não ampliar os prazos de inelegibilidade. Diante disso, para o advogado, é evidente que não se pode afastar os enunciados das Súmulas 19 e 69, que dizem que a inelegibilidade começa do dia da eleição do abuso e vão até o mesmo dia, 8 anos depois. Conclui assegurando que “tratando-se de direto fundamental, não seria possível manter alguém inelegível por mais tempo, especialmente diante do contexto da pandemia”.

A advogada Angela Cignachi iniciou ressaltando não só as dificuldades operacionais da Justiça Eleitoral, mas, também relação aos atores que participarão da eleição. Com o adiamento da eleição em 42 dias, houve um aumento do prazo da pré-campanha pelo mesmo período. Neste contexto, diante da autonomia na pré-campanha, e da possibilidade de realizar diversos atos desde que não haja o pedido explicito de voto, teremos agora, por óbvio, a realização de gastos a mais na pré-campanha, gastos esses que não são contabilizados e fiscalizados.

E, diante do cenário de pandemia, no qual as desigualdades ficaram mais ainda evidenciadas, muitas pessoas devem e estão ajudando as menos necessitadas. Essa situação traz uma preocupação para a advogada em razão do risco de desequilíbrio, da usurpação dessa posição de pré-candidato ao ajudar as pessoas visando um benefício eleitoral. A advogada estima que a Justiça Eleitoral tenha que julgar muitos casos de abuso de poder, ou de representação pelo 30-A, em razão dos atos que estão sendo praticados ainda na pré-campanha.

Angela Cignachi trouxe ainda a dificuldade para a Justiça Eleitoral julgar todos os registros de candidatura, especialmente porquanto a Resolução 23.609/2019 estabelece que não pode ser diplomado o candidato com registro indeferido ou sub-judice, e por isso, caberá à Justiça Eleitoral o desafio de deixar um mínimo de impugnações pendentes de julgamento de modo a diminuir a insegurança jurídica.

Chamou a atenção a respeito da previsão expressa da EC 107 quanto a proibição de impedimento aos atos de propaganda sem que haja um parecer da autoridade sanitária nacional ou estadual. Para a advogada, o legislador foi muito feliz em incluir esse dispositivo, embora preveja que ser alvo de muitas discussões ante a existência de diversos decretos municipais em vigor impedindo aglomerações, por exemplo, o que, em tese, poderia inibir a realização de um comício.

Ao ser questionada sobre a Publicidade Institucional a advogada ressaltou 3 pontos importantes, a mudança do teto de fastos, a necessidade de liquidação deles e a especial permissão de publicidade referente ao COVID-19, a qual, bem pontuou, não afasta a possibilidade de se investigar eventual extrapolação desse limite ou quebra de princípios constitucionais como a impessoalidade.

Ao final, o Ministro Tarcísio garantiu a sensibilidade para tratar do assunto com as lentes da excepcionalidade, de modo que o Tribunal Superior Eleitoral se compromete a exigir uma legalidade substancial e não apenas semântica. Uma legalidade conectada ao acesso da ordem jurídica justa.

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Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Ana Carolina de Camargo Clève

Presidente do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Diretor de Relatoria e Comissários: Paulo Henrique Golambiuk

Equipe de Relatoria: Amanda Helena Aciari de Araujo, Beatriz Alves de Lima Morais, Franklin Sóstenes Soares Alcantara, Giovana de Moraes Busnello dos Santos, Jessica Mayara Bimbatti, Lucas Anderson Cabral da Costa, Marina Fracaro, Matheus Rocha Campos de Souza Neto, Márcio Augustus Barbosa Leite Timótheo, Maurício Tavares Fernandes, Nahomi Helena de Santana, Paola Sayuri Mena Oliveira, Rafaela Farracha Labatut Pereira, Raniella Ferreira Leal, Renan Ribeiro, Salisia Menezes Peixoto, Sthephany Patrício, Victor de Gois Saretti, Victor Rocha Costa, Willian Michel Dissenha

Equipe de Comissários: Emma Roberta Palú Bueno, Geovane Couto da Silveira, Guilherme de Abreu e Silva, Luiz Paulo Muller Franqui, Maitê Chaves Nakad Marrez, Rafaele Balbinotte Wincardt, Roberta Guimarães, Tainara Prado Laber, Wagner Luiz ZaclikevisWaldir Franco Félix Júnior

Diretor de Comunicação: Luiz André Velasques

Diretora de Comunicação: Laura Hofmann Weiss 

Equipe de Comunicação e Mídias Sociais: Ana Paula Rusycki, Caroline Alberini Campitelli, Carlos Eduardo Araújo, Juliana Dal’Bó, Matheus Carvalho dos Santos, Manuela Gonçalves, Nicole Wibe Silva