ARENA TALKS – JUSTIÇA FEDERAL X ESTADUAL: QUE MODELO PARA A JUSTIÇA ELEITORAL

 

Karina Kufa | Bruno César Lorencini | Alfredo Renan Dimas de Oliveira

O último dia do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral contou com a participação do Juiz Federal, Bruno César Lorencini e do Analista Judiciário do Tribunal Superior Eleitoral, Alfredo Renan Dimas de Oliveira. Os palestrantes analisaram as propostas de reformulação e os caminhos que devem ser seguidos pela Justiça Eleitoral.

Na sua fala, o Dr. Bruno César Lorencini destacou que a Justiça Eleitoral está crescendo, por isso apresenta três modelos viáveis em relação à sua estrutura. O primeiro seria por meio da criação de um corpo próprio de juízes concursados, tendo como fundamento a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em relação à competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes comuns conexos aos ilícitos eleitorais. O segundo modelo seria manter a estrutura como funciona atualmente. Ainda, uma terceira proposta teria como elemento principal garantir maior participação da Justiça Federal, principalmente nos cargos de juízes em primeira instância.

O palestrante também destacou que como membro da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), defende esse terceiro modelo. Ele salientou a recente decisão proferida pelo TSE que negou o pedido da AJUFE para realizar alterações na Resolução nº 21.009/02002. Segundo o Professor, o entendimento dos Ministrou levou em consideração a terminológica disposta na Constituição, o que não parece a melhor solução diante do quadro atual.

Ao final, ressaltou a participação da Justiça Federal não é uma questão corporativa, mas de analisar modificações que forneçam a melhor reestruturação, principalmente com a transferência dos crimes conexos, o que tende a ampliar o número de processos de competência eleitoral. O segundo fundamento em que se pauta, é que no passado a Justiça Federal não tinha uma organização ampla, mas atualmente seria plenamente possível que juízes federais participem da composição da Justiça Eleitoral, em especial na primeira instância.

O Analista Judiciário do TSE, Alfredo Renan Dimas de Oliveira, destacou que existem dois vetores que podem ser levados em consideração. O primeiro deles é o histórico, considerando os preceitos dispostos pela Constituição da República e o espaço ocupado pela Justiça Eleitoral no momento da promulgação do texto. O segundo é a interpretação sistemática, que leva em consideração não apenas a questão gramatical, mas o contexto amplo da terminologia.

Em sua exposição, refletiu sobre os mandatos na Justiça Eleitoral e a possibilidade de recondução, visto que o primeiro período serviria como “estágio probatório”, por isso defende a existência de um único mandato de quatro anos. Por fim, salientou a necessidade de democratização da Justiça Eleitoral, com o revezamento entre juízes estaduais e federais.

Ao final, respondendo aos questionamentos realizados pela moderadora do painel, o Dr. Bruno frisou que com a transferência da competência para analisar crimes conexos, a tendência é que esses processos tenham uma tramitação rápida, característica típica à Justiça Eleitoral, mas que pode não proporcionar uma análise mais profunda da questão fática e probatória.

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ENFOQUE – DESAFIOS JURÍDICOS DA PRÉ-CAMPANHA EM TEMPOS DE PANDEMIA

As eleições municipais são eminentemente marcadas pelo contato próximo entre eleitores e candidatos, relação que se vê dificultada diante do cenário de pandemia.  Quais os problemas decorrentes dessa conjuntura no momento de pré-campanha e como tratá-los sem afetar a legitimidade democrática do processo eleitoral?

 

Moderadora: Fabíola Coneglian | Participantes: Luciano Guimarães Mata, Tiago Ayres e Moisés Pessuti

O advogado Luciano Guimarães iniciou a sua exposição ressaltando a atipicidade do ano corrente, que se iniciou de forma corriqueira e, de repente, a partir da disseminação de um vírus em escala global, impôs uma nova realidade e novas exigências aos cidadãos e governantes de todo o planeta. Tal realidade, no Brasil de forma especial, ainda precisou ser conciliada com a importância das eleições, que precisaram ser mantidas diante de seu essencial papel de legitimar a representação democrática e a alternância entre os representantes. Nesse sentido, mencionou que a EC 107 remodelou o que era possível diante da atual conjuntura, de modo que “a festa da democracia agora será uma demonstração de civismo, fé e esperança”.

Em relação à pré-campanha, pontuou que apesar de esta ter tido a sua duração aumentada, outra particularidade trazida pela pandemia foi a imposição de um certo “receio ético” de os pré-candidatos atuarem nos atos de pré-campanha, que perdurou até o início do mês de agosto, aspecto sintomático de um contexto em que os cidadãos precisaram dividir sua atenção entre as eleições e a situação de saúde pública vivenciada. O primeiro aspecto que quis abordar, nesse sentido, foi o da propaganda, ressaltando a dificuldade de distinção entre os atos de propaganda da pré-campanha e da campanha propriamente dita, especialmente diante do balizamento realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral nas Eleições de 2018.

Nesse cenário, ainda identificou como desafio imposto à realização das eleições 2020 a composição das mesas receptoras pela Justiça Eleitoral e a realização das convenções partidárias, estas já objeto de normatização pelo Tribunal Superior Eleitoral, com a previsão da realização virtual. Quanto ao ponto, afirmou acreditar que poucas agremiações as realizarão de forma completamente digital. Na maioria dos municípios brasileiros, apontou, se as condições sanitárias permitirem, os candidatos irão às ruas para o corpo a corpo, especialmente nas comunidades menores. Afirmou ainda que o que deve mudar, especialmente forçado pela pandemia, são alguns valores escolhidos pelos eleitores, de modo que devem ser beneficiados, por exemplo, profissionais de saúde que tiveram maior destaque nesse momento.

Ademais, outro aspecto interessante mencionado é a disponibilidade de internet em cada localidade, considerando uma tendência de utilização cada vez maior dos meios virtuais já existente nas últimas eleições. Dados da última PNAD divulgada apontam que ¼ de pessoas ainda não têm acesso à internet no Brasil. Nesse sentido, atentou que a questão deve ser relacionada às particularidades concernentes a cada localidade, especialmente considerando tratar-se de eleições municipais em que o contato corpo a corpo é característica marcante. Assim, em determinados níveis, conclui que é de se esperar que essa comunicação permaneça, a depender de características de cada região, como o tamanho dos municípios, a quantidade de eleitores e, até mesmo, a possibilidade de utilização de internet.

Assim, em cidades pequenas o corpo a corpo deve prevalecer, enquanto em cidades maiores o desafio deve ser a modulação dos mecanismos existentes, uma vez que deve prevalecer problemas já existentes, como a mentira, ora denominada fake news, e a propaganda negativa. Resume, portanto que “o problema dessa eleição não é ganhá-la agora, mas perdê-la depois.”

Outrossim, segue mencionando que a pré-campanha não difere em nada da campanha no que se refere à modulação estratégica do candidato. De acordo com o professor, identificam-se, no caso, dois polos muito bem definidos: os candidatos que não detém mandatos e os candidatos que estão no exercício dos seus respectivos mandatos. Assim, o maior risco na propaganda de candidatos que estão no exercício de mandato é o abuso de poder que pode levar a consequências maiores durante a campanha e mesmo após o seu fim. Com efeito, considerando que esses candidatos possuem o domínio sobre os sites oficiais e sobre a propaganda institucional, eles têm que cumprir com o mister público que é o dever de informar, estando, ao mesmo tempo, também sob os olhares da concorrência.

Tiago Ayres, por sua vez, deu início à sua fala pontuando que os cidadãos, diante do atual contexto de dificuldade, são desafiados a preservar não somente a própria saúde, mas também a saúde da democracia, de modo que “as eleições vindouras, mais do que uma festa democrática, serão uma verdadeira missão democrática”, que deve ter ênfase na liberdade como forma de garantir a participação dos cidadãos.

Aponta que a Justiça Eleitoral, enquanto sujeito de suma importância na condução do processo de compreensão do pleito que se aproxima, deverá pautar a interpretação do que será a pré-campanha em 2020 de modo a prestigiar a liberdade, nesse momento concentrada sobretudo no ambiente virtual.

A pré-campanha, nos contornos que ela hoje apresenta, encontra sua origem na reforma eleitoral introduzida pela Lei 13.165/2015 e também por obra da contribuição do Supremo Tribunal Federal, na oportunidade em que declarou a inconstitucionalidade da doação por pessoa jurídica. Em sua opinião, esses dois atores (lei e jurisprudência) emitiram um sinal muito claro: o processo eleitoral brasileiro deve ser marcado por menos dinheiro e mais liberdade. Decorre disso o que o palestrante chamou de forte engajamento espontâneo da cidadania, intensificado desde as eleições de 2018, mormente, nos meios digitais.

Nesta toada, Dr. Tiago ressalta que o acesso à informação, em condições ordinárias, depende muito do deslocamento físico do receptor. O eleitor muitas vezes constrói o seu juízo a partir do que ele encontra nos ambientes em que frequenta. Estando esse contato físico limitado pelos efeitos da pandemia, o espaço online passa a ser considerado ferramenta essencial à viabilidade das eleições na medida em que presta o importante papel de garantir o exercício da liberdade de informação, pressuposto para o adequado gozo do direito de sufrágio.

Na visão do palestrante, já é possível identificar nos tribunais eleitorais decisões que vão no sentido de considerar o patamar preferencial ocupado pela liberdade. Com efeito, fora as vedações legais claras – as denominadas “palavras mágicas” ou a utilização de meio proscrito – a jurisprudência do TSE deve se alinhar ao entendimento que assume como presumidamente regulares os atos de pré-campanha, em reverência à liberdade. Ressalvou, contudo, que isso não pode ser visto como uma tática de defesa de pré-candidatos, mas, sim, como um reforço da cidadania.

Em complemento, apontou ainda o professor Luciano Guimarães que com o atual momento, o foco do cidadão está deslocado na preocupação com a sua própria vida ou mesmo com a sua subsistência material. “O cidadão é primeiro gente, depois eleitor., resumiu. Ainda ressaltou a importância da liberdade ampla à propaganda saudável e construtiva, sendo, ao seu ver, problemática a forma infantilizada como a Justiça Eleitoral visualiza o eleitor, aspecto em que é ladeado pelos legisladores, que impuseram uma série de “cabrestos” ao exercício da liberdade no pleito eleitoral, também amparados em uma visão do cidadão como indivíduo ingênuo e sem capacidades  de discernimento. “Sem uma pré-campanha ampla, a campainha sairá prejudicada, e na atual conjuntura, salvo situações excepcionais, os detentores de cargos devem ser beneficiados

Sobre o tema, comentou a moderadora Dra. Fabíola Coneglian que no atual momento é mais fácil, sem o contato direto do candidato com o eleitor, a disseminação das fake news, tornando mais difícil o esclarecimento dessas informações inverídicas.

Em seguida, o Dr. Moisés Pessuti iniciou sua exposição mencionando um aspecto que ao seu ver relaciona-se não apenas com a pré-campanha, mas com a campanha eleitoral propriamente dita.  Nesse sentido, pontuou que o grande desafio dessas eleições é ser candidato, dadas todas as alterações legislativas decorrentes do período de calamidade e todas as problemáticas preexistentes.

Por sua vez, corroborando o entendimento aduzido por Pessuti, Luciano Guimarães ratificou o desafio assumido pelos gestores públicos ao postular um cargo eletivo diante da cobrança que recai sobre os detentores de cargos na circunstância ora vivenciada. Ainda nessa linha, mencionou o Dr. Tiago Ayres que os gestores se veem na contingência de precisar oferecer o tratamento devido perante a pandemia, mas também submetidos a um controle, que, por óbvio também deve existir. “Tudo o que a gente não precisa do momento é de ter um gestor acovardado”, asseverou, fazendo menção à fala em encontro com o ex-vice Procurador Geral Eleitoral Humberto Jacques de Medeiros. Acredita, portanto, que a abordagem dos órgãos de controle deve ser realizada de forma a não comprometer as próprias entregas esperadas da gestão, garantindo a moralidade da administração pública sem prejuízo do princípio da eficiência.

Evoluindo na sua exposição, continuou o Dr. Moisés Pessuti afirmando que o viés político do qual se carregou a pandemia no Brasil e o “receio ético” do lançamento de uma candidatura em um momento de pesar na sociedade somente vieram a se somar a um cenário de criminalização da política já existente, realidade que piorou no momento em que o financiamento de campanha foi reduzido a recursos dos fundos partidários e de doações de pessoas físicas.

Afirmou ainda que o candidato atualmente precisa de doações de pessoas físicas para garantir a mínima viabilidade de sua candidatura. Questiona, então, como, nessas circunstâncias, pedir doações a eleitores quando muitos destes, inclusive, estão enfrentando uma série de problemas econômicos decorrentes da pandemia.

A composição desse cenário, com a junção de novas e prévias dificuldades, fez com que muitos candidatos inclusive desistissem de oferecer a sua candidatura nas eleições de 2020. Ainda, para os que serão candidatos, acredita que a migração das campanhas eleitorais para o ambiente virtual não implicará alterações substanciais no modo como se faz campanha, visto que em muitas localidades, apesar de ser importante a atuação virtual, grande parte da atuação política acontece nas praças, por meio da atuação boca a boca.

No mesmo diapasão, faz menção à fala do prof. Walber de Moura Agra em painel prévio do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, quando afirmara que a forma como a legislação tratou a pandemia vai propiciar um “pout-pourri” de abuso de poder político e econômico. Assim, um candidato que não é conhecido ou não tem acesso à visibilidade gerada por um cargo público passa a enfrentar, nesse cenário a criminalização da política, a dificuldade de captação de dinheiro, a absurda limitação da propaganda já existente e ainda a situação excepcional gerada pela pandemia.

Em seguida, Luciano Guimarães indicou acreditar que a migração da campanha eleitoral para as redes sociais não alterará de forma substancial a forma como se faz a campanha, posto que em muitos lugares, sobretudo nos municípios menores, é nas praças e no “boca a boca” que se faz a campanha, o que faz com que o candidato precise continuar saindo às ruas. Ressalvou, no entanto, que tudo dependerá da conjuntura local de enfrentamento à pandemia.

Instado sobre o comportamento que os tribunais vêm adotando na análise das pré-campanhas, especificamente, à luz das “possibilidades do candidato médio”, Tiago Ayres destacou que a questão toda é a identificação dos contornos desse conceito, de modo que a justiça eleitoral vai precisar problematizar cada situação para identificar o que configura ou não uma pré-campanha fora do razoável. Roga-se, especialmente, que os tribunais precisarão usar o bom senso como parâmetro, mesmo porque o que está em jogo é a liberdade e o direito de informação do próprio eleitor.

No mesmo sentido, pontuou a Dra. Fabíola Coneglian, ao afirmar que o eleitor é o grande protagonista do sistema eleitoral, de modo que os julgadores nessa eleição, especialmente nesse novo modelo que se apresenta, devem utilizar, mais do que nunca, do bom senso em suas ponderações.

Acerca dos mecanismos de controle de legalidade dos atos no contexto de pandemia como forma de garantia da igualdade entre os candidatos, ressaltou Tiago Ayres que os mecanismos de controle da pré-campanha e da campanha independem da conjuntura vivenciada, permanecendo instituídos e atuantes mesmo em situação de excepcionalidade.

Pessuti concluiu que apenas os mecanismos de campanha estão à disposição de todos, de forma igualitária. “Eleição é conjuntura, eleição é momento”, segundo ele. Tudo faz parte da interpretação que é feita pelos órgãos de controle, de modo que o candidato vive com “medo”, em que tudo depende da maneira que o eleitorado o vê. Por fim, reforçou a crise de representatividade atual, finalizando suas colocações a partir de uma reflexão acerca da liberdade de expressão do eleitor.

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Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Ana Carolina de Camargo Clève

Presidente do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Diretor de Relatoria e Comissários: Paulo Henrique Golambiuk

Equipe de Relatoria: Amanda Helena Aciari de Araujo, Beatriz Alves de Lima Morais, Franklin Sóstenes Soares Alcantara, Giovana de Moraes Busnello dos Santos, Jessica Mayara Bimbatti, Lucas Anderson Cabral da Costa, Marina Fracaro, Matheus Rocha Campos de Souza Neto, Márcio Augustus Barbosa Leite Timótheo, Maurício Tavares Fernandes, Nahomi Helena de Santana, Paola Sayuri Mena Oliveira, Rafaela Farracha Labatut Pereira, Raniella Ferreira Leal, Renan Ribeiro, Salisia Menezes Peixoto, Sthephany Patrício, Victor de Gois Saretti, Victor Rocha Costa, Willian Michel Dissenha

Equipe de Comissários: Emma Roberta Palú Bueno, Geovane Couto da Silveira, Guilherme de Abreu e Silva, Luiz Paulo Muller Franqui, Maitê Chaves Nakad Marrez, Rafaele Balbinotte Wincardt, Roberta Guimarães, Tainara Prado Laber, Wagner Luiz ZaclikevisWaldir Franco Félix Júnior

Diretor de Comunicação: Luiz André Velasques

Diretora de Comunicação: Laura Hofmann Weiss 

Equipe de Comunicação e Mídias Sociais: Ana Paula Rusycki, Caroline Alberini Campitelli, Carlos Eduardo Araújo, Juliana Dal’Bó, Matheus Carvalho dos Santos, Manuela Gonçalves, Nicole Wibe Sil