Participação feminina na política: avanços e desafios

A democracia que queremos não é do homem para o povo, e sim de homens e mulheres para a sociedade

Luciana Nepomuceno

Luciana Nepomuceno indagou: “que mundo queremos?”. Elucidou que o mundo é numericamente de predominância masculina – homens excedem em 62 milhões o número de mulheres. No mercado de trabalho, 3,3 bilhões de mulheres ainda dependem economicamente dos homens. As mulheres que trabalham, em geral, ganham menos para o exercício das mesmas funções e são responsáveis por jornadas duplas ou triplas.

No Brasil, as mulheres são a maioria do eleitorado, porém o país é marcado por um cenário de sub-representatividade feminina na política. Possui o pior quadro na América Latina e ocupa a 154ª posição do ranking mundial, atrás de países como Afeganistão e Paquistão.

As cotas de gênero garantiram um percentual mínimo de 30% para candidaturas de determinado sexo. Dados demonstram que entre os anos de 2008 e 2016 houve aumento de 31,7% de candidaturas femininas. No entanto, isso não representou o aumento de mulheres eleitas.

O sistema de cotas é insuficiente para transmudar as candidatas em eleitas. Luciana enfatizou os fatores que ensejam esse cenário: machismo, dependência econômica, falta de apoio intrapartidário, jornadas múltiplas e o sistema eleitoral proporcional.

Destacou o fenômeno de candidatas “laranjas”, com votação zerada, que totalizaram 14.498 candidatas às Câmaras Municipais. À parte dos casos de comprovado dolo, constatou-se que, em muitos deles, houve desistência pela candidata por falta de apoio intrapartidário e familiar.

Luciana apontou a essencialidade de ações afirmativas para iniciar um processo de conscientização geral, a partir do qual as mulheres passem a desejar ocupar espaços de poder, encontrando, do outro lado, homens que as estimularão e incentivarão.

Os Tribunais Superiores decidiram a favor da distribuição proporcional dos fundos partidários e eleitoral em conformidade com o gênero. Contudo, as decisões não serão efetivas se não houver controle e fiscalização intrapartidária.

Luciana concluiu pelo necessário empoderamento feminino no âmbito intrapartidário, por meio de cotas de gênero para cargos de direção partidária, a fim de possibilitar o acesso de mulheres ao poder de decisão sobre a distribuição de recurso. Defendeu, ao final, a igualdade de condições para que haja possibilidade de igualdade de resultados. “Não podemos mais retroceder”.

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Impulsionamento e redes sociais: abuso de poder algoritmo, retargeting e criação de cabos eleitorais

O impulsionamento e o direcionamento de conteúdos na internet são novas ferramentas que dificultam a formação da consciência política do eleitor. Cabe o controle pela Justiça Eleitoral?

Fernando Neisser | Laura Diniz | Diogo Cruvinel

Laura Diniz afirmou que temos uma quarta revolução industrial, com comunidades maiores e mais conectadas, nas quais as vozes que emergem no debate não são ouvidas senão por audiências formadas pela internet e pelas redes sociais. Essas vozes, que produzem ecos reais e fakes, serão ouvidas nesta eleição de forma inédita e com intensidade. Por isso, deve-se ter em mente que, entre os desafios do direito eleitoral está aquele de entender a produção de informação e sua divulgação na internet.

Para Fernando Neisser, a internet trouxe circulação de informações como a humanidade jamais viu. Quando regulada pela primeira vez, a propaganda eleitoral pela internet era proibida, mas o tratamento evoluiu e, com a última reforma eleitoral, permitiu-se a contratação de impulsionamento de conteúdos na internet – de forma paga, portanto. Assim, a ideia de meritocracia virtual foi definitivamente quebrada. Esse novo cenário será utilizado pela primeira vez neste ano de 2018.

Neisser explicou que a propaganda na internet tem determinado volume; chega a certa distância de quem produziu e tem certo direcionamento – isto é, vai até determinado grupo de pessoas. No Facebook, isso chega a uma parcela pequena de amigos, que acompanham o que é dito por quem publica.

A segmentação do eleitorado é uma ferramenta que sempre foi utilizada pelas campanhas para garantir a eficácia da divulgação de certo conteúdo, com base em critérios demográficos. Recentemente, surgiu um novo método de segmentação, chamado psicometria, que traça o perfil psicológico das pessoas, com base em informações que elas mesmas fornecem. Esse perfilamento passou a ser possível pelas manifestações em redes sociais e, na sequência, passou-se a desenhar o discurso que aquele grupo queria ouvir, atingindo-o inclusive em nível subliminar. A lei agora permite isso pelos candidatos, de forma a se questionar a capacidade do eleitor de filtrar as informações.

Diogo Cruvinel, após traçar histórico da regulação da propaganda eleitoral na internet, afirma que o grande problema do momento são as fakenews, que devem, segundo ele, ser combatidas com uma abordagem multidisciplinar.

Cruvinel disse que os bots (abreviação de robôs) atuam de forma automática na internet, fazendo comentários programados por meio de softwares, como se pessoas fossem. Como consequência dessa atuação, percebe-se o surgimento de vários e novos problemas, como a escolha política induzida pelo chamado “efeito manada”, que faz o indivíduo mudar sua resposta original para não desagradar o grupo a que pertence, ou mesmo a “espiral do silêncio”.

Ao serem questionados acerca das vantagens do impulsionamento e direcionamento de conteúdos na internet, Neisser e Cruvinel concordaram na inexistência de benefício à democracia. Neisser disse que a importação de tais institutos foi na contramão do controle dos abusos de poder, e Cruvinel, de modo propositivo, apontou que é necessário conferir maior controle ao usuário, como adotado em recente lei europeia.

Provocados, os debatedores concordaram que, em eventual incoerência de discurso do candidato, ao emitir mais de um posicionamento sobre um mesmo tema a eleitores diferentes, o filtro político deve ser realizado pelo próprio eleitor, e não pela Justiça Eleitoral.

Em conclusão, os debatedores concordaram que o cenário das eleições de 2018 é inédito e incerto. Por outro lado, afirmam que a solução não é judicializar, mas sim conferir consciência digital ao eleitor.

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As críticas e os ataques na propaganda eleitoral: até onde pode avançar a interferência e o controle da Justiça Eleitoral?

A legislação vigente sobre a propaganda eleitoral para as eleições de 2018 traz diversos questionamentos, sobretudo no tocante à igualdade de chances, liberdade de expressão e direito à informação

Aline Osorio | Luiz Carlos Gonçalves | Patrícia Marta

Luiz Carlos Gonçalves: A Constituição não é um livro de poemas onde se pode ler apenas os trechos preferidos. Temos uma Constituição que assegura a liberdade de expressão e proíbe a censura e, ao mesmo tempo, estabelece que a honra e a imagem são bens jurídicos tutelados.

A intervenção da justiça eleitoral quase sempre é precedida de lei.  Quando se fala que a justiça eleitoral interfere muito, surge a seguinte indagação: será que não é o que a lei manda fazer? Na opinião do procurador, muitas vezes as resoluções são exageradamente restritivas, mas é a própria lei que restringe cada vez mais.

O procurador defende a necessidade de controle e de meios de se reparar a propaganda ofensiva: “em relação à quantidade e qualidade das restrições, a lei não é boa. Nossa lei se compraz numa série de detalhamentos exorbitantes”.

Quando a lei limita a propaganda eleitoral, dificulta severamente o direito de oposição. Para ele, deveria ser liberada a pré-campanha, sem que seja necessário o uso de artifícios.

Não se pode exigir bons modos no debate político. A suscetibilidade exagerada não tem nenhum abrigo constitucional ou legal. Lançado à campanha, deve-se estar pronto para as críticas.

Preocupa-se, ainda, com o uso dos meios de comunicação como discurso de ódio. É um cenário que traz muita incerteza. Caminha-se para uma eleição na qual pessoas que não são candidatas terão muita influência, podendo ser, inclusive, objeto de ataque.

Em relação aos impulsionamentos na internet, entende-se que eles garantiram aos candidatos uma forma de propaganda livre e espera que um dia essa garantia também seja estendida ao cidadão.

Aline Osório: Cada vez as eleições são mais curtas, menos visíveis e mais silenciadas, e isso decorre de uma certa cultura que temos, de desprezo à liberdade de expressão.

Em qualquer lugar do mundo, quem vai ao debate público deve saber que está sujeito à crítica e ao ataque, e que há notícias que são legítimas. Aline acredita que a liberdade de expressão tem uma posição preferencial.

Não há democracia sem liberdade de expressão, e isso vai naturalmente envolver um ataque e uma crítica legítima.

Há, ainda, uma tradição autoritária. O Código Eleitoral foi editado durante a Ditadura Militar. Aline diz que existem 4 concepções equivocadas no direito eleitoral: i) concepção autoritária; ii) paternalista; iii) asséptica e iv) elitista.

Daí surgem 2 preocupações: primeira, o moralismo, que muitas vezes traz uma visão maniqueísta da política. A segunda preocupação é a marginalização da política, que anda junto com a criminalização da política, impondo muitas restrições aos políticos. A população se sente cada vez mais afastada, quando na verdade não há solução democrática fora da política.

Aline afirmou que o TSE criou um critério a mais na propaganda eleitoral do rádio e da tv, dizendo que o debate deve ser meramente propositivo.

A propaganda negativa tem um valor menor que a campanha propositiva. Deve-se ter em mente que há possibilidade de abuso, mas isso é um fator à parte. O debate em todos os níveis se beneficia, às vezes, de uma crítica feroz. A liberdade de expressão não é necessária para concordar, mas para discordar.

Há um direito de atacar os adversários. A jurisprudência do TSE é ruim, retirando do debate informações importantes para o eleitor escolher conscientemente.

Sobre o impulsionamento, Aline ressalta que este possui custo baixo, e com isso se alcança um público maior. A internet é um instrumento importantíssimo na divulgação de campanhas, sendo lícito o impulsionamento, ainda que negativo.

Quanto às fake news, Aline ressalva a necessidade de conceituação.   Nesse sentido, há 2 riscos: intervenção excessiva em conteúdos absolutamente relevantes e intervenção tímida. A atuação da Justiça Eleitoral, que não tem braços para coibir todos os ilícitos eleitorais, deve tomar cuidado para não considerar tudo como fake news.

Por fim, Aline defende a possibilidade de impulsionamento por cidadão, não se podendo dizer que toda manifestação de preferência política é propaganda eleitoral.

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Corrupção/lavagem ou caixa-dois?

Em tempos de criminalização da política, Kakay defende que ser revolucionário é defender a Constituição

Antônio Carlos de Almeida Castro

Kakay relembrou que há dois anos esteve no CBDE para falar sobre a criminalização da política. À época, colocou como preocupação o direcionamento adotado pelo Ministério Público que levaria à criminalização das doações oficiais das campanhas eleitorais.

O advogado enaltece ainda o grupo de marketing da operação Lava-Jato que se sobressai ao jurídico, aliando-se à grande mídia, para legitimar os excessos cometidos na operação.

A advocacia lhe deu voz, utilizando-se dessa posição para fazer críticas aos excessos, não raro apoiados pela opinião pública, a qual trata os Ministros do Supremo Tribunal Federal como semideuses.

Ao citar seu artigo “Que país queremos?”, afirmou que todos querem o combate à corrupção. Contudo, como realizar o combate é que definirá o futuro do Brasil.

Se o debate for pautado pelo respeito à Constituição, haverá um amadurecimento da democracia. Porém, se houver afronta à Constituição, o resultado será um país obscurantista.

Ressalta-se a necessidade de que os operadores do Direito tenham um compromisso com a Constituição, rejeitando que um magistrado possa fazer uma interpretação a seu bel prazer das garantias constitucionais.

Não se pode admitir uma interpretação da Constituição totalmente individual, assim como não se deve aceitar uma interpretação com base na chamada “voz das ruas”.

Para Kakay, os operadores do Direito devem se portar como uma corrente contramajoritária e combativa aos excessos legitimados pela mídia organizada.

Como exemplo citado, não se pode afastar a presunção de inocência em um Habeas Corpus, que é instrumento de defesa.

Aliás, o apoio da mídia organizada ao afastamento da presunção de inocência levou a majoração de prisões dos “clientes tradicionais do processo penal brasileiro, o negro, pobre e desassistido”.

Alerta-se, ainda, para o atual momento, no qual as doações oficiais estão sendo criminalizadas, a política está sendo criminalizada e o legislativo permanece absolutamente ineficiente, pois seus líderes estão sendo investigados.

As investigações devem ser realizadas com rapidez, sob pena de se permitir ao Ministério Público estabelecer o rumo da pauta nacional. Com um legislativo imobilizado, aliado a um Poder Executivo sem legitimidade, vive-se um momento de superpoder do judiciário.

Hoje, devido ao processo de criminalização da política, não se sabe diferenciar uma doação oficial de uma doação vinculada a um ato ilícito. Ou seja, bastaria uma vinculação a partir da perspectiva do julgador para diferenciar uma doação regular de um ato criminoso.

Por fim, ao citar Galeano, o advogado relembra a importância da utopia: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

A caminhada consistiria, portanto, na necessidade de mudar o Brasil de forma simples e com observância à Constituição.

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Presidente do VI Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Moisés Pessuti

Equipe de Relatores:
 Paulo Henrique Golambiuk, Maitê Marrez, Guilherme de Abreu e Silva, Isabel Arruda Quadros da Silva, Rafaele Balbinotte Wincardt, Emma Roberta Palú Bueno, Roberta Alves Pinto Guimarães, Wagner Luiz Zaclikevis, André Eiji Shiroma, Waldir Franco Félix Júnior, Caroline de Fátima Helpa, Eliane Bavaresco Volpato e Yasmin Brehmer Handar

Equipe de Comunicação: Luiz André Velasques, Nicole Wibe Silva e Carlos Eduardo Araujo