Condutas vedadas: os desafios da gestão pública no ano da eleição

A definição de conduta vedada, a despeito da pretensa tipificação contida em lei, ainda causa considerável insegurança jurídica aos gestores em ano eleitoral

Joelson Dias | Gabriella Rollemberg | Sidney Neves | Felipe Recondo

Gabriela Rollemberg apontou que a Justiça Eleitoral, por vezes, faz uma interpretação extensiva das condutas. Sabe-se que não existe isonomia absoluta entre candidatos que já ocupam cargos públicos e aqueles que a eles concorrem. No entanto, essa disparidade fática não pode servir de fundamento para se configurar como ilegal toda e qualquer conduta do gestor público. Eventual enquadramento de condutas vedadas exige prova cabal do desvio de finalidade. É necessário observar dois fatores quando da sua análise: a uma, se o ato do gestor respeitou o interesse público; a duas, se houve efetivo desvio.

Enfatizou a impossibilidade de presunção de desvio de finalidade, sob risco de se paralisar a condução da coisa pública por atos de governo, e de se submeter todos a um tratamento genérico. Deve-se buscar um mínimo de segurança jurídica e previsibilidade, por meio do retorno à tipicidade estrita das condutas e regulamentação objetiva, em especial da publicidade institucional.

A jurista criticou, ainda, o armazenamento tático de indícios de condutas abusivas, e sugeriu a imposição de um prazo preclusivo para coibi-lo.

Sidney Neves destacou que a reeleição introduzida por Emenda Constitucional acabou por causar o problema das condutas vedadas, que serviram à pretensão de se corrigir distorções de isonomia entre os candidatos e garantir a liberdade do voto, a higidez do pleito e o equilíbrio da disputa. Identificou a conduta vedada como uma espécie de abuso de poder qualificado. Por isso, concluiu que o rol de tipificação existente deve ser superado, a fim de que tais condutas sejam analisadas por um sistema aberto, cuja finalidade seria permitir uma análise mais casuística e evitar excessos. Contudo, não aberto o suficiente a permitir ativismos exacerbados e a criminalização da política pelo viés do moralismo patológico.

Joelson Dias afirmou que as condutas vedadas foram criadas para não ser necessária a desincompatibilização, quando da pretensão de reeleição. Asseverou que é necessário coibir abusos, porém sem desconsiderar o outro lado da moeda, sob pena de se menosprezar o eleitor. Abusos e condutas ilícitas devem ser coibidos pelo voto qualificado do eleitorado. É o eleitor que deve avaliar a administração. O cenário político de instabilidade se combate com maior participação e mais ações afirmativas e com a inserção de democracia interna nos partidos.

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Efeitos da operação Lava Jato na eleição de 2018 e a criminalização da política

Os reflexos dos movimentos contra a corrupção, inevitavelmente, violam os direitos fundamentais, a exemplo do que se verifica com a Operação Lava Jato, 10 medidas contra a corrupção e a própria Lei da Ficha Limpa

Eneida Desiree Salgado

Ninguém é a favor da corrução, embora as práticas sociais sejam prenhas de pequenas corrupções. Ninguém é contra a democracia, inclusive na república menos republicana do país.

O Brasil é uma república, um estado de direito representativo, republicano e democrático. Essa democracia, no entanto, não é plena, absoluta e ilimitada. Temos um estado baseado nos direitos fundamentais e no controle recíproco entre os poderes.

Quando escolhemos pela Constituição de 88, nos atrelamos a decisões jurídicas e políticas fundamentais, que vinculam os agentes públicos.

Em um momento constituinte, o povo resolve se amarrar ao mastro dos direitos fundamentais e das cláusulas pétreas para evitar que sucumba ao canto jurídico da sereia e – tal como Ulisses – abra mão de todas as suas conquistas.

Os poderes constituídos se submetem à Constituição e não podem ofender princípios e regras. Apenas o poder legislativo pode reformá-la, nos limites e pelos procedimentos por ela autorizados.

Os agentes estatais devem atuar levando em conta a primazia dos direitos fundamentais, e é aqui que os movimentos de combate à corrução estão pecando.

Ao assumirem um discurso moralizador e da defesa de valores supremos, os defensores da moralidade atacam a Constituição e os direitos fundamentais, o que pode ser evidenciado por 3 exemplos.

Primeiramente, a lei da ficha limpa, que é mais severa que a lei de inelegibilidades da época da ditatura (se aplica a fato anterior à lei, não exige trânsito em julgado, desafia a presunção de inocência etc.).  A qualidade do Congresso Nacional eleito em 2014, sob a lei da ficha limpa, mostra que a restrição dos direitos fundamentais passivos políticos não melhora a qualidade da representação.

O segundo ponto são as 10 medidas contra a corrupção, que também atacam os direitos fundamentais (decretação de trânsito em julgado ex officio, utilização de provas ilícitas, relativização das nulidades etc.), tudo contra o contraditório e a ampla defesa.

O terceiro exemplo é a lava-jato. O uso de instrumentos juridicamente previstos, mas com finalidades diversas, é flagrante. Exemplo disso são as conduções coercitivas, não recepcionadas pela nova ordem constitucional, segundo recente decisão do STF, embora os atos realizados até então tenham sido validados. Para Desiree, contudo, declarar a não recepção neste momento é “botar a tranca depois de arrombar a porta”.

Aqui na República, a República é usada como justificativa para desobediência civil dos magistrados. Os pedidos de deferimentos de prisões cautelares são usados para além dos propósitos legais, como forma de garantir delações premiadas.

Damos muito poder a 2 órgãos que em nome da moralidade acabam com os valores democráticos de transparência, controle e autonomia.

Os defensores da Lava-Jato falam em valores recuperados com a operação. Os números não são comprovados. Não se fala no impacto nas empresas que sofreram busca e apreensão sem necessidade, nem das indenizações que terão que ser pagas com a condução indevida de pessoas que tiveram suas vidas destruídas. Não se fala do custo das operações, e nem se contam os cadáveres que foram feitos pela sanha moralizadora de paladinos que se põem acima da lei. Só se falam dos heróis que não querem se auto restringir, que, em nome de realizar a justiça, negam o direito.

Daí surge a crítica aos movimentos que se dizem de combate à corrupção. É preciso ver a corrupção para além dos desvios do dinheiro público. Recuperar o dinheiro com ofensa aos direitos fundamentais também é corromper o sistema.

Um dos efeitos da Lava-Jato é o aumento da abstenção eleitoral e uma descrença cada vez maior nas democracias representativas.

Somam-se a isso as manifestações pela volta da intervenção militar, e pela “intervenção militar constitucional”. Usa-se a liberdade de expressão para defender a restrição a essa própria liberdade.

Contudo, Desiree ressalta que é preciso insistir na defesa da Constituição, pois é ela que nos protege dos abusos dos agentes públicos e dos particulares.

A saída da crise não pode prescindir da política, e nem se fundamentar em salvadores da pátria com seus discursos messiânicos, e nem de déspotas iluminados que querem refundar a república empurrando a história. É preciso defender a democracia contra as boas intenções e a moralização self service.

A supremacia da Constituição é a única saída possível e desejável. O resto é golpe, ainda que venha pela liga da justiça.

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Presidente do VI Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Moisés Pessuti

Equipe de Relatores:
 Paulo Henrique Golambiuk, Maitê Marrez, Guilherme de Abreu e Silva, Isabel Arruda Quadros da Silva, Rafaele Balbinotte Wincardt, Emma Roberta Palú Bueno, Roberta Alves Pinto Guimarães, Wagner Luiz Zaclikevis, André Eiji Shiroma, Waldir Franco Félix Júnior, Caroline de Fátima Helpa, Eliane Bavaresco Volpato e Yasmin Brehmer Handar

Equipe de Comunicação: Luiz André Velasques, Nicole Wibe Silva e Carlos Eduardo Araujo