Autofinanciamento, financiamento coletivo e os riscos de caixa dois

Com a proibição de doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, impõe-se a busca de alternativas para o financiamento eleitoral.

Fernando Neves | Carlos Eduardo Frazão | Vânia Aieta | Sérgio Victor

Em relação ao tema do autofinanciamento, Fernando Neves indaga por que o candidato não poderia fazer campanha com seu próprio patrimônio, sendo que o único limite deve ser aquele previsto pelo teto de gastos estabelecido nas eleições gerais.

Para ele, doação eleitoral e utilização de recursos próprios são institutos diferentes, uma vez que a distinção entre pessoa física doadora e pessoa jurídica candidata é uma ficção jurídica criada pela imprecisão da lei.

Quem faz a lei eleitoral é o candidato que obteve sucesso no pleito. Assim, a justiça eleitoral deve criar mecanismos de controle para fiscalizar os recursos utilizados em campanha, em vez de limitar a arrecadação na origem. Portanto, Neves defende a abertura para arrecadação de pessoa física e inclusive de pessoa jurídica, que na sua concepção é uma alternativa à vultuosa aplicação de dinheiro público.

Tem-se que o Congresso faz uma autoproteção, impedindo o surgimento das novas lideranças. Nesse sentido, o baixo teto de gastos estabelecido, além de favorecer os candidatos já eleitos (que já possuem a mídia espontânea), é mais uma das restrições que facilitam o caixa dois. Isso traz uma limitação à democracia e ao surgimento de novas ideias e novas pessoas.

Neves não concorda com as restrições impostas, considerando que tanto a justiça eleitoral quanto o eleitor têm acesso a mecanismos que conferem transparência ao financiamento de cada campanha. Tal conhecimento é importante para a formação da convicção do cidadão.

Vânia Aieta, por sua vez, ressaltou que a interferência do poder econômico na seara política tem sido objeto de antigas preocupações, gerando muita tensão, em especial ao tema do financiamento na problemática da corrupção.

Os limites do autofinanciamento existem e ao mesmo tempo não existem. Por um lado, tem-se o teto de gastos para o cargo almejado, mas, respeitado esse teto, não há limite para um candidato se autofinanciar.

O autofinanciamento sempre existiu, mas a questão está mais em voga atualmente diante da proibição de doação por pessoa jurídica, o que diminuiu a disponibilidade de recursos nas campanhas. A partir desse cenário, os candidatos começaram a enxergar o autofinanciamento como a alternativa mais viável.

A experiência das eleições de 2016 demonstrou que houve uma dicotomia perniciosa, com candidatos ricos se elegendo pelo próprio dinheiro e, de outro lado, candidatos de parcos recursos que não poderiam obter valores oriundos de pessoas jurídicas.

Diante disso, o Congresso Nacional delimitou o autofinanciamento em 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior. O presidente, no entanto, vetou tal dispositivo, retornando-se à situação anterior de autofinanciamento irrestrito. Posteriormente, houve a derrubada do referido veto, passando-se a vigorar o novo limite imposto. Vale ressaltar que, nas eleições de 2018, o limite de 10% não será imposto, em respeito ao princípio da anualidade da lei eleitoral.

Seria um sofismo pensar que se alcançaria uma igualdade plena entre desiguais. Assim, deve-se buscar certo equilíbrio entre capital e trabalho, a fim de que as eleições não sejam tão desiguais. Nesse contexto, Vânia defende que o financiamento privado não pode ser vilão, desde que fiscalizado.

No financiamento coletivo, o primeiro problema é de estruturação, que é o fracionamento de uma grande quantia em pequenas importâncias. Não se sabe se pode haver uma grande pulverização de dinheiro ilícito sendo escoado paulatinamente nesses pequenos doadores.

Outro problema destacado por Aieta é o fato de que o candidato não tem como verificar a origem de todas as doações recebidas. “Ocorre que não se pode fazer do erro um princípio. O tribunal está igualando todo mundo pelo ilícito”.

Não se trata de ser contra o financiamento público, que tem a sua importância para o fomento de pautas minoritárias, mas afirmar que sua exclusividade é nefasta para a democracia brasileira.

Já sobre o crowdfunding, Carlos Eduardo Frazão apontou que o TSE foi instado a se manifestar a respeito do tema a partir de 2014. Num primeiro momento, o Tribunal adotou uma postura cautelosa e autocontida, ao consignar que não haveria previsão legal no ordenamento jurídico para o financiamento coletivo.

Com efeito, o próprio legislador na última minirreforma eleitoral se debruçou sobre o tema, ao buscar alternativas de financiamento frente à inconstitucionalidade da doação de pessoas jurídicas, que desencadeou o financiamento coletivo e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

A despeito da grande esperança cívica depositada no financiamento coletivo, Frazão identifica três problemas a partir da práxis inerente à realidade brasileira. A primeira seria de viés cultural, visto que o eleitor está condicionado ao receber para votar em detrimento de contribuir com campanhas.

O segundo entrave decorre intrinsecamente do primeiro pela difícil compreensão por parte da sociedade do que consiste o instituto crowdfunding.

O terceiro problema apontado é que existe a limitação diária de R$ 1.064,00 para a doação, o que representa um entrave para que o financiamento coletivo comece a decolar.

Trata-se de um instituto novo, que permite a mobilização de determinados seguimentos da sociedade, sobretudo mais progressistas. É possível, portanto, que pautas minoritárias consigam ter voz e essa simetria que existe entre os prélios da competição eleitoral diminua.

Para Frazão, a liberdade se sobrepõe à igualdade. Nesse sentido, deve-se superar o “fetiche de criar uma igualdade inexistente entre os candidatos”, ainda mais com o curto período eleitoral.

Por fim, ressalta que o montante de recursos públicos destinados a campanhas eleitorais deve preferenciar as pautas minoritárias, as quais possuem natural desvantagem na disputa eleitoral. Seria um encargo para a sociedade custear essas pautas, em prol do próprio pluralismo político, fundamento da república federativa do Brasil.

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O papel do Supremo em matéria eleitoral

O Judiciário deve ter prudência em sua atuação

 Min. Dias Toffoli | Ângela C. Baeta Neves | Des. Domingos T. Ribeiro da Fonseca

O Ministro Dias Toffoli afirmou que no Brasil, até o advento da Constituição de 1988, o Judiciário tinha somente o poder de julgar e resolver conflitos individuais. A partir do novo texto constitucional, com a formatação de direitos fundamentais e a exigência de sua efetivação, o Judiciário passou a ter uma posição mais ativa.

O Ministro lembrou que o movimento que deu maior relevância ao Judiciário não ocorreu só no Brasil, mas também no Reino Unido, com a criação da Corte Constitucional, e na França, onde o Tribunal Constitucional passou a fazer controle repressivo, não mais servindo apenas como órgão de conselho.

Dias Toffoli ressaltou que quem edita as normas em matéria eleitoral são os seus próprios destinatários, havendo uma verdadeira legislação em causa própria. Segundo ele, a realidade tem sido a seguinte: a Justiça Eleitoral ou o STF tomam decisões no sentido de aprimorar a democracia, mas o Congresso Nacional reage, editando normas em seu próprio benefício, como ocorrido com as questões da verticalização, a regra da fidelidade partidária e a doação eleitoral de pessoas jurídicas. Considerando que, quando o STF age em matéria eleitoral, há sempre uma reação do Congresso, concluiu que se faz necessário um constante diálogo entre os Poderes.

Segundo o Ministro, “a sociedade sabe o que não quer, mas não sabe o que quer”, colocando todos os problemas para resolução pelo Estado. Para Dias Toffoli, no Brasil, o Estado vem antes da sociedade, consciência que deve ser mudada.

O fim da cláusula de desempenho, disse o Ministro, levou à fragmentação dos partidos, mas ressaltou que essa fragmentação representa, em verdade, a fragmentação da sociedade líquida em que vivemos. Dias Toffoli ainda mencionou que o fim da cláusula de desempenho talvez tenha sido uma decisão equivocada, mas ressaltou que a redação da lei era ruim e precária. Lembrou também que quando a decisão foi tomada, o entendimento sobre o método de “interpretação conforme a Constituição” ainda não estava muito bem definido, de maneira que toda a conjuntura deve ser considerada na avaliação do julgamento.

Dias Toffoli afirmou que a composição do TSE com 6 (seis) ministros do STF, entre titulares e substitutos, traz estabilidade, e que a atuação do STF a respeito de decisões do TSE deve ocorrer somente quando a questão constitucional é efetivamente flagrante.

Questionado por Henrique Neves, o Ministro Dias Toffoli disse que o ideal é que, uma vez iniciado o período eleitoral, já se tenha estabilidade das normas.

Sobre o papel do Judiciário, o Ministro afirmou que não deve ser ele protagonista na sociedade, mas apenas árbitro, para evitar cometer o mesmo erro dos militares em 1964. Nesse ponto, lembrou que a alteração do rito das medidas provisórias, que obrigou o Congresso a votá-las, prejudicou as discussões políticas no Congresso Nacional.

Ao fim, concluiu que se o Judiciário quiser ser o protagonista, dizendo que mudará a história do país, estará, na realidade, enganando a sociedade, vendendo ilusões. Para o Ministro, o Judiciário deve ser, sobretudo, prudente e legitimado pela prudência.

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Presidente do VI Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Moisés Pessuti

Equipe de Relatores:
 Paulo Henrique Golambiuk, Maitê Marrez, Guilherme de Abreu e Silva, Isabel Arruda Quadros da Silva, Rafaele Balbinotte Wincardt, Emma Roberta Palú Bueno, Roberta Alves Pinto Guimarães, Wagner Luiz Zaclikevis, André Eiji Shiroma, Waldir Franco Félix Júnior, Caroline de Fátima Helpa, Eliane Bavaresco Volpato e Yasmin Brehmer Handar

Equipe de Comunicação: Luiz André Velasques, Nicole Wibe Silva e Carlos Eduardo Araujo