Tendo a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão como pano de fundo, o painel sobre o princípio da estabilização de demanda na Justiça Eleitoral contou com a moderação do presidente do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, o advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira e com as apresentações de visão unânime por parte dos advogados Marcos Vinicius Furtado Coelho, ex-presidente nacional da OAB; Flávio Cheim Jorge e Marcelo Beckhausen. “A cassação da chapa Bolsonaro-Mourão guarda semelhança com o caso Dilma-Temer, no qual o Tribunal Superior Eleitoral julgou improcedente por 4×3 o pedido para ampliação de provas, de modo a incluir fatos que vieram à luz na fase Odebrecht na Lava-Jato. Essa inclusão tornaria a cassação da chapa mais provável”, observou. Para Pereira o assunto é relevante não apenas pelo caso atual em si, envolvendo o Presidente da República, mas porque ditará rumos para qualquer ação de cassação.
Furtado Coelho foi o primeiro a defender a estabilização da demanda. “O mundo se encontra ameaçado pela pandemia e momentos de crise aguçam a necessidade de reflexão. A estabilização da demanda significa a impossibilidade de mudar a causa de pedir após ultrapassada a fase postulatória, cujo marco é citação do réu. É um princípio de garantia processual básico. O cidadão se defende do que é acusado. Não pode ser surpreendido com fatos distintos daqueles que constam da ação inicial. Admitir novas provas seria retornar ao modelo inquisitorial da Idade Média”, declarou. Para ele, o princípio básico da imparcialidade, que diz respeito ao distanciamento do julgador em relação aos fatos e provas precisa ser observado e não deve ceder espaço para o punitivismo e nem para o julgamento prévio. “Ruy Barbosa já alertava: a violação das garantias de um cidadão põe em risco todo o sistema jurídico”, observou, destacando que mesmo considerando-se a Lei Complementar 64, a livre apreciação de provas não tem o condão de ultrapassar a estabilidade da demanda.

Regras

O aspecto difuso das demandas foi apontado pelo advogado Flávio Cheim Jorge em sua apresentação. “Qual a razão de debater sobre estabilização de demanda no campo eleitoral? O fato é que no Código de Processo Civil, no artigo 329, fala-se em anuência do réu. No processo penal a previsão expressa está no artigo 384. Já no campo eleitoral não tem regra. Pode-se ou não alterar a causa de pedir? Pode-se ou não trazer novas provas para o processo? Isso ficou claro no julgamento feito no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, em que se defendeu a ampliação da causa de pedir mesmo após a citação do réu e o prazo decadencial. Um ponto a ser observado é que se trata de um direito coletivo, difuso. E a causa de pedir nas ações coletivas é mais genérica, mais aberta, ao contrário das ações individuais. Outro fundamento é a já citada previsão do artigo 23 da Lei Complementar 64, tema que não vou explorar”, elencou.
Cheim Jorge ressaltou que em seu modo de ver o ponto mais relevante nessa discussão é dificuldade de delimitação. “Quando se ajuíza ação eleitoral o ambiente é extremamente difícil, com foco maior na disputa em si ou na prestação de contas. No momento em que essas ações são ajuizadas, os fatos não são tão claros. Ao contrário; a situação é mais nebulosa. Não é simples ter certeza sobre os fatos imputados. Nos casos Dilma-Temer e Bolsonaro-Mourão observa-se que fatos mencionados foram, inclusive, extraídos da imprensa. Considerando tais fundamentos, não se deve aceitar a introdução de fatos novos”, defendeu.

Previsibilidade

O advogado disse ainda que o direito processual eleitoral tem outra particularidade a ser levada em conta: a adequação aos prazos eleitorais. “É um processo rápido, célere, com características que nenhum outro tem. Como compatibilizar essa característica com os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido local? A pedra de toque é a previsibilidade. Barbosa Moreira diz que a previsibilidade é a garantia que o réu tem de saber do fato que lhe é imputado desde o início. Assim ele traça sua estratégia de defesa. Novas provas só podem ser admitas com pedido legislativo e expresso. Do contrário, não é admissível. Sem norma específica, não há espaço para a inclusão de fatos após a citação”, reforçou.
Antes de passar a palavra ao terceiro painelista, o moderador provocou: “Quer dizer que em razão do prazo decadencial o Brasil aceita conviver com eleições ilegítimas?” Beckhausen não hesitou em sua resposta: “É mais grave punir o Estado de Direito e o devido processo legal do que dar vazão a esse tipo de ambição punitiva”, afirmou. O palestrante relatou seu autoquestionamento sobre a contribuição possível para o painel, dada sua condição de procurador regional eleitoral aposentado há cinco anos. “Percebo que o direito, de modo geral, tem sido instável como um todo. Seja pelo protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF), seja pelo ativismo judicial ou porque juízes resolveram ocupar o espaço político”, ressaltou, observando que no Direito Eleitoral sempre foi assim. “A essência do processo eleitoral é a instabilidade. Contudo se exige do sistema do direito, de um modo geral, estabilidade e segurança”, comparou.

Prazo

Na visão de Beckhausen, o prazo decadencial é um marco intransponível. “É assim no mundo todo porque se quer resolver logo uma eleição. O que fazer quando a prova emprestada chega no processo? Como se faz isso? Talvez alargando o prazo decadencial; talvez fugindo da ideia da segurança que se quer nas demais áreas do Direito”, cogitou.
O moderador aproveitou a deixa para consultar a opinião dos três painelistas sobre eventual ampliação do prazo decadencial. “Os prazos nas maiores democracias do mundo, como levantou o próprio Pereira, são semelhantes aos do Brasil. A Convenção de Veneza também estipula prazos exíguos. No Brasil, atualmente o prazo é de 15 dias. Poderia ser de mais 15”, considerou Furtado Coelho.
Cheim Jorge, por sua vez, defendeu que as ações de natureza eleitoral “precisam ter data para encerramento em todas as fases, inclusive a da conclusão do processo”. Tomando por base sua experiência no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, Beckhausen considerou que não há condições de atender toda a demanda com prazos rígidos. “Do ponto de vista do procurador regional eleitoral, é muito difícil trabalhar com prazo desse tipo”, afirmou.