O fim do financiamento privado de campanhas eleitorais trouxe destaque para as discussões sobre os candidatos que utilizam recursos próprios. A experiência da última eleição, em que não havia limite para o uso dessa alternativa, a não ser o teto de gastos, gerou críticas pela desigualdade de condições.  As possibilidades para se financiar os concorrentes no pleito deste ano foram pauta do primeiro debate nesta sexta-feira (15) no VI Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, que teve como tema Autofinanciamento, financiamento coletivo e os riscos do caixa dois. Participaram como debatedores os advogados Fernando Neves e Vânia Aieta e secretário-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Eduardo Frazão, com a mediação do advogado Frederico Alvim.

A mistura entre o conceito de doação de terceiros e o uso de recursos próprios foi criticada por Neves. Para ele, o termo autodoação não faz sentido, pois não há como uma pessoa doar para si mesma. Na opinião dele, o candidato deve ter liberdade para utilizar o quanto quiser do seu dinheiro. “Porque não pode usar o recurso próprio para a campanha? Se ele não quer fazer financiamento coletivo e usar seu patrimônio, qual o problema?”, questionou o advogado.

Vânia Aieta lembrou que o candidato é um ente jurídico diferente da pessoa física que ele é, e que a conta utilizada na campanha não pode ser a mesma. “Essa situação do autofinanciamento nunca teve tanta repercussão.  A falta de dinheiro advinda do fim do financiamento privado colocou esse assunto em evidência”, observou.

A advogada explicou que, nas últimas eleições, a legislação diferenciou os regimes jurídicos da doação de terceiros e do autofinaciamento. Para o primeiro, havia limite e, para o segundo, a limitação era apenas o teto de gastos. Essa configuração gerou o chamado “efeito Dória”, com a eleição dos candidatos que têm muito dinheiro.

Diante dessa disparidade, o legislador acabou revogando o artigo 23 § 1o A da Lei 9.504/97. O presidente Michel Temer vetou a revogação, mas o Congresso derrubou o veto em dezembro de 2017. Isso significa que, a partir de agora também haverá limite para autodoação. Mas, como uma lei que altera o processo eleitoral só entra em vigor um ano após publicação, para as eleições de 2018 o sistema ainda será o mesmo de 2016.

Neves questiona essa movimentação no legislativo para fazer essa limitação : “Fico a pensar se tanto limite não é um movimento para impedir o surgimento de novas lideranças. A campanha de quem tem mandato é muito mais barata do que a de quem não tem”. Ele também considera que o excesso de limites estimula o surgimento de caixa dois.

Vânia concordou com Neves nesse aspecto: “Nunca vi tanto caixa dois como 2016, porque estamos criando uma ilusão, tapando o sol com a peneira”, constatou.

O financiamento público de campanhas também foi alvo de críticas. “Socializaram o uso do dinheiro público na campanha, diante de outras necessidades da população”, disse Neves. “Do que adianta essa quantidade de dinheiro público que foi injetado, diante da situação do país?”, questionou o advogado.

Crowdfunding

O financiamento coletivo, o crowdfunding, é outra alternativa que vem ganhando espaço diante das limitações para doações. Carlos Eduardo Frazão observou que essa é uma alternativa para que minorias ganhem espaço. “É um instituto que permite que haja mobilização da sociedade, sobretudo dos movimentos mais progressistas. É possível que pautas minoritárias, que não conseguem tanto espaço na sociedade, consigam ter voz”, apontou o secretário-geral do TSE.

Frazão observou que o TSE, que geralmente é criticado pelo ativismo, nesse tema foi questionado pela autocontenção, já que procurou se restringir ao que a legislação diz sobre o assunto. Mas, segundo ele, as limitações impostas pela corte têm base constitucional. Além disso, o cuidado de se impor um limite é para se evitar o caixa dois.