TED ALIKE – Normalidade eleitoral é só pra inglês (do século XIX) ver?

 

Roberta Maia Gresta

A Professora e Servidora da Justiça Eleitoral, Roberta Maria Gresta, apresentou suas ponderações a respeito das balizas que devem nortear a concepção atual de liberdade de expressão, a fim de que não venham a desvirtuar (ou mesmo esvaziar) o ideal de democracia.

O TED TALK contextualizou acerca da realidade mais liberal que beirava o coração de Londres no Séc. XIX. O recanto do orador, ou speakers corner, era onde a pessoa – geralmente homem – podia falar tudo. O costume inglês autorizava qualquer assunto, quaisquer palavras, quaisquer ponderações, sem limites. Diz a lenda que, ao se desconectar desse solo inglês, a pessoa estaria a salvo inclusive da obediência, libertando-se do dever de observância à lei e a coroa.

Essa imagem – que costuma omitir o fato de que eram apenas brancos e ricos que falavam – virou um fetiche e é ainda tida, por alguns, como ideal da liberdade de expressão. Pouquíssimo emancipatório, esse privilégio de poucos fazia com que estes se embevecessem com o eco de sua própria voz, não operando de forma neutra e resguardando as posições dominantes.

Discursos que carregam violência também foram palco da problematização do TED que abarcou a realidade de que parte dos herdeiros dessa estrutura discriminatória não quer pensar que seus privilégios seguem fincados sobre corpos alheios. Segundo Roberta Gresta, discursos violentos são atos de violência, e essa violência tem um preço caro. A violência, afinal, não dá spoiler, não avisa que está chegando. Portanto, não se pode aguardar o risco iminente para agir. Exemplos recentes foram trazidos na palestra, como o caso o da mulher trans espancada numa feira aos gritos “travesti tem que apanhar” e Gerivaldo, morto dentro de uma viatura policial em forma de câmara de gás. Não se pode ou se deve aguardar o risco iminente, pois pode ser tarde demais.

Roberta Gresta fez alusão a um clássico, Karl Popper, em seu “Paradoxo da Tolerância”, que defende ser inviável tolerar quem é intolerável. Em seu livro A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, ele argumenta:

“A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada, mesmo para aqueles que são intolerantes, e se não estamos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos e tolerância com eles. – Esta formulação, não implica que devemos sempre suprimir as filosofias intolerantes, contanto que possamos combatê-las por argumentos racionais e mantê-las sob controle pela opinião pública.

Mas devemos reivindicar o direito de suprimi-las, se necessário até mesmo pela força, e isso pode facilmente acontecer se elas não estiverem preparadas em debater no nível de argumentação racional, ao começar por criticar todos os argumentos e proibindo seus seguidores de ouvir argumentos racionais, devido ela ser uma filosofia enganosa, ensinando-os a responder a argumentos com uso de punhos ou pistolas.

Devemos, portanto, reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes. Devemos enfatizar que qualquer movimento que pregue a intolerância deva ser colocado fora da lei, e devemos considerar a incitação à intolerância e perseguição devido a ela, como criminal, da mesma forma como devemos considerar a incitação ao assassinato, ou seqüestro, ou para a revitalização do comércio de escravos como criminoso.”

Não se deve permitir que discursos intolerantes sejam tolerados. Mobilizar paixões por puro e simples ataque às instituições democráticas podem gerar consequências perigosas, sérias, violentas e irreparáveis.

A professora conclui que é preciso colocar a democracia em ação, desfetichezando a liberdade de expressão, principalmente no processo eleitoral, que é um espaço discursivo onde cidadãos e cidadãs formam mandatos eletivos. Não se pode deixar que vulnerabilidades sociais se transformem em vulnerabilidades políticas, devendo a sociedade identificar, apontar e combater discursos que atentem contra esses espaços de igualdade. A normalidade eleitoral deve ser uma exigência inegociável.

Esse combate é mais sério e necessário no contexto atual da globalização e ascenso das redes sociais, em meio a um ambiente barulhento e imediatista, o que é um problema crescente para a nossa democracia. Gresta, ao trazer essa crítica, cita o livro “O Cérebro No Mundo Digital”, onde defende que a capacidade cognitiva do cérebro é um treinamento. Existe uma tendência de considerações cada vez menos críticas e mais passionais, o que descredibiliza o teor racional do discurso, gerando ainda mais medo e insegurança, até mesmo agressões ao próprio processo eleitoral, turbinadas por delírios sobre fraudes, irregularidades imaginárias e não comprovadas. Há de se resgatar as condições de normalidade desse processo também nesse novo contexto.

O impacto do que é dito de forma infundada é imenso. As palavras têm poder. Discursos são atos performativos, quando se fala não só se exercita as cordas vocais, mas se faz da palavra uma ponte para acessar outras pessoas. Palavras transformam, e devem ter seu valor resgatado. Não se pode permitir um retrocesso no que já se avançou no contexto de inclusão democrática.

O espaço eleitoral deve ser inclusivo e seguro para possamos manifestar nossas opiniões com segurança e com respeito ao próximo. Por que se apegar a uma concepção que só faria sentido no contexto do Séc. XIX? Para Roberta Gresta, em prol da democracia deve-se abrir mão desse fetiche de liberdade de expressão, resgatar a importância política da palavra e resguardar a normalidade e segurança do pleito.

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PRECEDENTE

Leading cases do TSE de análise de mérito de abuso de poder em eleições presidenciais (casos Dilma/temer e Bolsonaro/Mourão: Eleições exponenciais e crise da democracia representativa

 

Adriano Soares da Costa

O palestrante afirma que o tema dos precedentes está ligado à polarização política vivenciada no Brasil, que leva à ideologização da dogmática jurídica, afetando a qualidade técnica da jurisdição eleitoral. O Direito Eleitoral não é parte da ciência política, mas matéria afeta ao mundo jurídico, que demanda tratamento sistemático, racional e objetivo.

A primeira vítima da polarização é a racionalidade que está alheia à militância política, que se pretende capaz de resolver todos os casos problemáticos – na esteira do combate à corrupção, às fake news e também na gênese da Lei da Ficha Limpa.

Tratando do precedente, da Costa afirma que é necessário problematizar as AIJE e as AIME em Eleições Presidenciais, sobretudo pelo seu protagonismo em duas eleições polarizadas. Estes instrumentos são obras em aberto, parte de um processo político pós-Eleições e resolvidas ao término do mandato, perdurando por boa parte do mandato tanto no caso da Eleição de 2014 quanto de 2018.

Estas ações, com prazo decadencial e limitação de legitimidade ativa, são acompanhadas pela expansão da causa de pedir. São acrescidas de novos sucessos históricos, de novos eventos que, em tese, se subsimiriam às categorias de abuso de poder, corrupção e/ou fraude eleitorais – conceitos e standarts abertos, em que tudo pode ser colocado.

No caso Dilma/Temer, especificamente no contexto do “Petrolão”, a causa de pedir da ação proposta passou a se expandir, com o ingresso de investigações alheias à matéria eleitoral por meio da norma contida no artigo 23 da Lei das Inelegibilidades – que dá poder inquisitorial ao magistrado, para que, de ofício, seja alargado o objeto da lide.

Tanto no caso Dilma/Temer quanto no Bolsonaro/Mourão houve a expansão das lides com a inserção de fatos novos e provas novas, produzidos mesmo à revelia do contraditório e de modo intempestivo, tratando-se de fenômeno que prescindiu do contexto político e denota a forma de atuação da Jurisdição Eleitoral. A partir destes casos, o palestrante afirma que se vivencia a banalização dos instrumentos das AIJE e AIME nas eleições presidenciais, com a possibilidade de mutação das causas de pedir e de inserção de provas produzidas anteriormente à propositura da demanda – e completamente estranhas à matéria eleitoral.

Nos dois precedentes há a discussão do moralismo jurídico eleitoral, quando a Justiça Eleitoral se coloca no lugar de moldar e determinar a forma de exercício da soberania popular: o eleitor não saberia escolher bem o candidato, sendo devida a tutela da integridade eleitoral.

Entra, aí, o conceito de eleição exponencial. É fator ligado à história do Direito Eleitoral que o maior número de cassações está ligado aos cargos de Vereador e Prefeito, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste do País. Por igual, a cassação de Governadores do Norte e Nordeste se verifica de modo muito mais recorrente que nas demais regiões do país – o único caso em que quase ocorrido no Sul, houve o overruling dos precedentes.

Em vista dos expressivos números de eleitores concentrados no Sul-Sudeste em comparação com àqueles do Norte-Nordeste, o palestrante afirma que os fatos repercutem mais fortemente nestes (eleições lineares) que naqueles. Há um efeito prático no Direito Eleitoral: quanto maior o corpo de eleitores, mais rarefeita a comprovação da afetação dos pleitos e da conspurcação da vontade eleitoral – razão pela qual, inicialmente, seria muito mais difícil retirar a legitimidade de uma eleição presidencial.

A grande diferença se refere a duas espécies de gravidades: abuso de poder será assim apenas quando verificado pelos efeitos concretos, os quais são rarefeitos em eleições com maior colegiado – privilegiando ações ex ante (eleições exponenciais); e será in re ipsa, na própria conduta, na captação ilícita de sufrágio e nas condutas vedadas, mesmo que sem os grandes efeitos. Menores efeitos devem ser acompanhados por menor intervenção da Justiça Eleitoral, não sendo possível expandir as eleições lineares aos casos de abuso de poder.

Eleições fortes é onde a soberania popular é respeitada.

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DIÁLOGOS

Competência da Justiça Eleitoral à luz do novo Código

 

Alexandre Jobim | Ângela Cignachi | Jamile Ton Kutz  | Moisés Pessuti

 

O advogado Alexandre Jobim iniciou sua exposição realizando uma breve reflexão sobre o poder normativo da Justiça Eleitoral no Projeto de Lei (PL) que instituí o novo Código Eleitoral. Sobre esse aspecto, o palestrante destacou que a proposta legislativa aprovada pela Câmara dos Deputados sistematiza toda a legislação eleitoral em um único instrumento normativo, sanando o problema enfrentado em razão da diversidade de legislações existentes atualmente. De maneira específica, Jobim ressaltou que o PL não busca restringir o poder da Justiça Eleitoral como um todo, mas tão somente demarcar com maior clareza o seu poder regulamentar. Tal delimitação se justificaria sobretudo pelo fato de a Justiça Eleitoral incluir os seus próprios precedentes nas resoluções editadas, afastando o Poder Legislativo da criação normativa.

Alexandre Jobim enfatizou também que atualmente a Justiça Eleitoral exerce função administrativa, jurisdicional e normativa, sendo essencial a normatização específica do último aspecto, vez que é o Poder Legislativo, representante do povo, quem possui a legitimidade para elaborar as normas sobre o processo eleitoral. O palestrante concluiu sua exposição asseverando que o projeto em questão não restringe a competência da Justiça Eleitoral, mas supre lacunas que até o momento fazem com que seja possível a elaboração de diferentes normativas que avançam sobre a competência legislativa.

Em sequência, Angela Cignachi iniciou sua fala apontando que uma democracia saudável precisa de regras claras, capazes de propagar segurança jurídica ao processo eleitoral. Nesse sentido, para ela o PL do novo Código Eleitoral busca sistematizar as normas até então esparsas. Ademais, Cignachi destacou que o poder regulamentar da Justiça Eleitoral se confunde com a própria criação desse órgão, se mostrando favorável à referida competência normativa, evidenciando, ainda, que as resoluções do TSE são normas que regulam, interpretam e trazem maior facilidade ao processo eleitoral.

Nada obstante, Ângela Cignachi aduziu que o PL não restringe o poder regulamentar da Justiça Eleitoral, mas apresenta algumas delimitações, o que não representa perigo ao contexto atual. Cignachi trouxe ressalvas unicamente sobre a possibilidade de anulação de resoluções do Tribunal Superior Eleitoral pelo Congresso Nacional, disposta no §1º do art. 129, uma vez que, para além de não ser necessária, poderá estabelecer insegurança jurídica.

Por fim, Moisés Pessuti ressaltou o trabalho feito para a elaboração e sistematização das normas eleitorais na proposta legislativa em questão. Para ele, o projeto é mais do que necessário e tem como um dos pontos positivos a unificação das regras processuais aplicadas no âmbito da jurisdição eleitoral. Pessuti asseverou que, sem dúvidas, o PL contempla restrições ao poder regulamentar da Justiça Eleitoral, sobretudo por meio da dissolução de lacunas nas normas, as quais são sanadas pela Justiça Eleitoral por meio do seu poder regulamentar.

Nesse sentido, Moisés Pessuti enfatizou que o PL não extrapola a própria competência regulamentar da Justiça Eleitoral, sendo plenamente viável que sejam realizadas adaptações para tais alterações. Por fim, demarcou que, por outro lado, o PL define com clareza a competência da Justiça Eleitoral nas questões intrapartidárias — o que é importante e essencial —, assim como aumenta sua competência em outras áreas, apesar de ainda existirem dispositivos que podem ser adaptados pelo Senado Federal.

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DIÁLOGOS

Os principais desafios do financiamento de campanha para as eleições 2022

 

Carlos Eduardo Caputo Bastos | Georgia Nunes | Fabrício Medeiros | Ana Márcia Mello

 

Carlos Eduardo Caputo Bastos adentra ao tema colocando a questão da fonte de financiamento. Segundo ele, há uma preocupação com a questão da representatividade e desde de que se proibiu o financiamento por CNPJ vimos crescer muito o valor do financiamento público de campanhas.

É necessário atentar-se à máxima de que o cidadão não deveria estar sujeito a nenhuma taxação, se não puder ser representado. Então, por que as empresas não podem ter seus representantes? Um dos pensamentos que prevaleceu no debate público é que os candidatos financiados pelas empresas estariam presos a elas. Porém, questiona, será que pode haver algum representante que não esteja atrelado ou conectado com aqueles que o elegeram?

Com a falta de financiamento privado, tivemos um aumento gritante de financiamento público de campanha. Será que o problema do abuso do poder econômico resolve-se apenas proibindo que empresas participem de doações? Caputo coloca que não, e inverteria essa lógica, apontando que o financiamento público favorece o status quo, quem está dentro, e dificulta a entrada de quem está fora. Torna-se instrumento de manutenção de poder.

Geórgia Nunes, por sua vez, traz os desafios para as eleições de 2022 sob a perspectiva de gênero. Começa por relembrar a frase do ministro Edson Facchin no julgamento da ADI 5617, ajuizada contra dispositivos que restringiam o acesso das mulheres aos recursos do fundo partidário: “nunca haverá paz no mundo, enquanto as mulheres não ajudarem a criá-la”.

Naquela ADI, segundo Geórgia Nunes, o STF deu um importante passo na inclusão das mulheres na política, quando declarou a inconstitucionalidade de parte daqueles dispositivos, e interpretando conforme para assegurar a candidatura e o acesso aos recursos de financiamento de campanha pelas mulheres, sendo garantido às mulheres a mesma porcentagem de recursos que representam como candidatas num partido. Tal determinação constou em 2018, quando o STF ampliou para além da participação no fundo partidário a mesma regra para o FEFC e participação nas mídias. Porém, mesmo diante de tantos avanços, apenas 669 prefeitas foram eleitas no país, sendo que as mulheres nas câmaras municipais foram apenas 16% dos eleitos. Para concluir, ainda, quando é analisado de fato a verba, menos de 30% dela foi destinada para as mulheres. Somente 6 partidos de 2020 investiram um valor maior que esse nas mulheres.

O problema é ainda mais fundo, é possível constatar que temos candidaturas de mulheres laranjas, que estão presentes somente para compor a chapa. Surgem denúncias que os valores a elas destinadas estão sendo dados para homens.

Segundo Geórgia Nunes temos novos desafios para as eleições de 2022: as Emenda Constitucional 111 e 117. A primeira traz uma nova luz para políticas afirmativas até então implementadas, estabelecendo regras transitórios para distribuição entre os partidos dos recursos do Fundo Partidário e do FEFC. A segunda, por sua vez, torna constitucional algumas regras que já estavam sendo aplicadas, dizendo respeito aos 5% dos recursos públicos que os partidos precisam destinar para políticas afirmativas, e também em relação aos 30% que devem ser destinados às candidaturas de mulheres. Agora, essas regras já não foram aplicadas em 2018, 2020? A verdade é que quando analisamos a prestação de contas deste período, vemos que não foi bem assim. Ainda, foi alegada a anistia que os partidos receberam, no sentido de que o que não foi aplicado antes da promulgação da emenda, não seria objeto de sanção para os partidos políticos.

Fabrício Medeiros comenta que o cenário que temos é de uma legislação confusa e que gera desconfiança, que torna-se mais complexa com algumas jurisprudências. Na sua visão, o financiamento das eleições, que hoje é majoritariamente público, é uma tentativa efetiva de redução do “gap” de representatividade das minorias.

Não é possível refletir o tema sem analisar como se estabelece uma política pública. Ela é debatida e há de ser feita em 3 etapas: (1) a formulação, quando vários problemas e demandas chegam aos processos decisórios, e uma vez aceitas essas demandas passam a integrar uma agenda pública. Nesse momento, temos a elaboração das ações; (2) a implementação, e é preciso ter critério para executar e fazer a correta execução e planejamento da política pública; e (3) avaliação, quando é refletido se a política pública atingiu seu fim. Tais momentos de elaboração estão em constante diálogo, não é simplesmente sua criação que vai resolver os problemas de representatividade. Há, assim um consenso: que analisemos análises de alternativas, carga informacional, dados, prioridades da política e outros temas. Por esse motivo, a política pública não pode ser feita pelo poder judiciário.

Concluindo, Fabrício Medeiros questiona quem vai avaliar, sob qual processo e quem mede a política pública. Será mesmo que podemos dizer que temos políticas públicas e ações afirmativas efetivas sobre esse gap de representatividade que precisamos correr para resolver?

Ele reafirma que isso, de maneira alguma, se coaduna com o simples aceite das quotas ou do percentual. Não é assim que combateremos a desigualdade, é necessário analisar os resultados destas ações afirmativas e analisar o que será refeito para que ela atinja seu fim. Uma boa política pública deve sempre flertar com sua finalização, senão não é política pública. Esse movimento cíclico faz também sentido, pois se a política pública for de fato boa, chegará um momento que ela será desnecessária.

Ana Márcia Mello aponta que além das constantes mudanças no direito eleitoral, as mudanças sobre financiamentos são piores. Facilitam o erro e impossibilitam pacificação e classificação de temas e conceitos. É um fenômeno visto com muita clareza hoje, tornando-se mais fácil errar do que acertar uma prestação de contas sem qualquer ressalva.

A prestação tem assumido um papel de protagonismo indevido nas campanhas, fazendo que o político se preocupe mais com ela do que apresentar-se a população para ser votado. Neste sentido, a Resolução do TSE nº 23.607 promete ser permanente e, não se nega que em alguns aspectos ela reafirmou alguns conceitos que já vinham sendo aplicados há tempos. Porém, a Resolução do TSE nº 23.665 já trouxe alterações, algumas delas não tendo fundamento na própria lei, mas em entendimento que muitas vezes diverge do ideal que pensou o legislador.

Como exemplo, a prestação de contas de prefeito e vice-prefeito. Em uma campanha, cada um poderia contribuir com 10% do limite do teto de gastos, entretanto a resolução alterou para que a chapa contribua em conjunto, colocando instruções que não existiam até então, em oposição a vontade do legislador que criou a regra.

Há uma limitação da forma como gastar, onde gastar, até o tamanho para que se gasta. Ana Marcia Mello critica que o Tribunal, com suas resoluções, dá um tom mais burocrático que o necessário e torna a prestação de contas cada vez mais difícil.

Recentemente, o Ministro Alexandre de Morais ensejou a tese de que há um dispositivo destinado a pessoas físicas que fala que a doação estimada de até R$ 40.00,000 não precisa estar dentro do limite de doação. Fez, então uma leitura sistemática dos limites de doação, entendendo não ser razoável a utilização do próprio carro do candidato interfira no seu limite de campanha.

Finalizando Ana Márcia de Mello sustenta que a prestação de contas não deve ser o foco do político, nem a protagonista numa corrida eleitoral.

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DEBATE

Aspectos polêmicos das eleições suplementares em razão do indeferimento de registro de candidatura ou da cassação de diploma

 

Emma Roberta Palú Bueno | Ricardo Penteado | Henrique Neves

 

Tendo a mediadora Emma Roberta Palú Bueno saudado os espectadores e anunciado os debatedores, deu-se início ao painel, com a primeira exposição de Ricardo Penteado, advogado e membro da ABRADEP.

Penteado cumprimentou a todos e iniciou esclarecendo que trataria nova eleição num cenário de cassação de registro, o que torna necessária uma visita à Constituição Federal, essa que fala em nova eleição na hipótese de vacância de cargos visando a garantia da soberania popular. Mais especificamente, determina que uma vez que um cargo eletivo se mostra vago é necessário convocar nova eleição, ou seja, o cidadão tem que ser convocado novamente para manifestar sua escolha.

Apontou que nessa hipótese, em que o processo eleitoral foi completado e consumado abre-se um novo processo eleitoral, pois não se trata da hipótese de cassação, mas sim de vacância, cenário em que se faz a eleição 90 dias depois de aberta a última vaga, sendo exceção a essa regra a hipótese em que a vacância ocorre a menos de 2 anos do fim do mandato, quando promove-se uma eleição indireta.

Asseverou, todavia, que o cenário a ser abordado diz respeito à situação em que os votos angariados pelo candidato eleito são anulados, por alguma razão, dentro do processo eleitoral, ou seja, trata-se de hipótese diversa da vacância de cargo.

O advogado defendeu, ainda, que esta segunda hipótese não se configura como punição a candidatos, mas sim como tutela da legitimidade da eleição, ou seja, é aplicada quando os pressupostos de legitimidade daquela eleição para aquele candidato eleito, não se fazem presentes, de modo que a eleição continua em aberto.

Nesse sentido, apontou que o que se convencionou chamar, nessas hipóteses, de nova eleição, trata-se na verdade de nova votação e é uma exceção à regra de que a diplomação põe fim ao processo eleitoral.

Apontou o palestrante também que, após a alteração legislativa, algumas questões polêmicas surgiram, por exemplo, “em que momento se convoca essa eleição?”, “qual o processo de escolha de candidatos pode ser adotado?”, “o processo eleitoral está sendo reaberto ou trata-se de um novo processo?”. Considerando a problemática, apontou que, se a eleição suplementar tratar-se efetivamente de uma nova eleição, é preciso observar o calendário eleitoral e cumprir todo o rito previsto em lei, inclusive com respeito aos prazos de desincompatibilização, mas que, se entender-se, opostamente, que se trata apenas de uma nova votação, surgem novas dúvidas a respeito da possibilidade de cristalização do cenário político da primeira votação hipótese em que se manteriam as mesmas coligações, partidos e candidatos (destacando a possibilidade de substituição na forma da lei).

Penteado abordou, na sequência, a problemática associada ao financiamento das campanhas em eleições suplementares e que por tratar-se da prorrogação de um processo que reabre uma discussão de candidaturas, há também uma nova campanha eleitoral, a qual implica em custos e, consequentemente, dificuldades quanto ao financiamento, em especial considerando que, a partir de 2015 o financiamento político é virtualmente público, porém, os fundos que alimentam esse financiamento (FEFC e Fundo Partidário) não alimentam eleições suplementares. Por outro lado, considerando o financiamento privado, também há incertezas, já que o doador que contribui para uma campanha em um ano, o faz com base em dez por cento de seus rendimentos brutos do ano anterior, cabendo questionar de poderia, portanto, no ano subsequente o mesmo indivíduo voltar a contribuir com base nos do ano da última eleição.

Por fim, o debatedor destacou o problema que este aspecto de financiamento pode ter numa eleição presidencial, que tem dimensões continentais e defendeu que, quando houve reforma, não houve uma adaptação da legislação em seus diversos aspectos, para tratar dos reflexos no financiamento, propaganda, registro de candidatura, entre outras questões.

Finda a primeira exposição, a mediadora passou a palavra ao ex-ministro do TSE e membro consultivo do IBRADE, Henrique Neves.

Dando início à sua exposição, Neves apontou que a discussão sobre eleições suplementares começa pela própria definição e questiona: trata-se, efetivamente, de eleição suplementar? Nesse sentido, defendeu que o termo “eleição suplementar” se refere àquela prevista no art. 187 do Código Eleitoral, realizada quando determinado local não pode completar a votação por algum motivo. Destacou que o art. 224, por outro lado, fala em “nova eleição”, mas historicamente convencionou-se chamar essa nova eleição de eleição suplementar.

Destacou, ainda, que a regra do art. 224 era que, se mais da metade dos votos fossem declarados nulos, convocar-se-ia nova eleição, todavia, citando Carlos Velozo, Neves defendeu que, para que se diga que uma eleição é válida ela primeiro tem que ter existido, mas se mais da metade teve seus votos anulados não é possível em falar em legitimidade dessa eleição.

O ex-ministro ainda questionou, criticando a antiga norma que determinava a posse do segundo colocado, qual seria a legitimidade desta pessoa para assumir um cargo eletivo, destacando especialmente que “em alguns locais não se tem eleição, mas sim rejeição”.

Isso posto, dialogando com a exposição inicial de Penteado, Neves revelou entender que a eleição suplementar deve ser tratada como pleito totalmente novo, não como mera continuidade do processo eleitoral e nesse sentido, compreende que quem deu causa à renovação do pleito não pode participar da nova eleição, fazendo referência à jurisprudência do TSE que, aplicando as regras de direito civil, sedimentou que qualquer pessoa que causa uma nulidade não pode tirar proveito dessa nulidade, o que se aplica também nesse cenário.

Finda a primeira fala de Neves, a mediadora passou aos questionamentos, perguntando a Penteado qual o momento correto para a convocação das eleições suplementares.

O painelista apontou que os recursos acerca do registro de candidatura ou cassação de mandato são recebidos em efeito suspensivo e que, abraçando-se a tese delineada por Neves, de que a eleição suplementar se trata de nova eleição e não nova votação é preciso abrir um novo processo eleitoral, com todos seus prazos próprios, o que demandaria um tempo muito maior do que o que tem sido aplicado nos casos concretos.

Afirmou lhe agradar, por outro lado, a tese de que não se trata de nova eleição apesar da lei assim se referir, mas sim uma nova votação, de modo que se deve aproveitar os atos praticados em momento anterior.

Após, a Advogada Emma dirigiu-se à Neves, expondo que muitos candidatos concorrem com o registro indeferido, e nesse contexto, quanto aos custos operacionais da realização de novas eleições, questionou-o sobre situações em que esses custos devem ser atribuídos àquele que deu causa à anulação do pleito.

Assim, Neves revelou que o TSE informar à AGU as eleições realizadas suplementarmente em razão de anulação do pleito, para que a União tenha a oportunidade de cobrar os custos adicionais dessa eleição a quem lhe deu causa, e nessa oportunidade o ex-ministro rememorou um caso de sua carreira em que em um município pequeno, certo candidato foi condenado em ressarcir os cofres públicos em algo perto de 40 mil reais.

Todavia, esclareceu que não acha correto que aquele que teve seu mandato cassado tenha que ressarcir, de pronto, os cofres públicos, sendo necessário verificar sempre a existência de nexo de causalidade.

Assim, concluiu que é possível cobrar os custos, mas com muito equilíbrio e muita prudência na análise.

Após, a mediadora voltou a questionar Penteado, indagando se seria possível o candidato que ensejou eleição suplementar nela concorrer?

O Advogado, em resposta afirmou que “sendo muito rigoroso na análise legislativa, diria que sim”. Elaborou no sentido de que tendendo a admitir que o eleitor tenha a maior e mais diversificada possível escolha de candidaturas, ao se proclamar que esse candidato não pode se candidatar, está se criando uma inelegibilidade e não por força de lei, tampouco lei complementar.

Esclareceu que, se considerando uma continuidade no processo eleitoral, torna-se fácil admitir que aquele que foi excluído do processo dele não volte a participar, mas, por outro lado, ao admitir a tese de que a eleição suplementar se trata de um processo eleitoral totalmente novo, ao inadmitir que aquele que deu causa à nulidade do processo anterior não participe desse novo processo, está se criando uma inelegibilidade. Assim, reiterou que tende, em qualquer situação, a sempre buscar dar ao eleitor a maior possibilidade de escolhas possível.

Por fim, para dialogar com a fala anterior de Neves, defendeu que a própria lei determina que o custo das eleições deve ser responsabilidade da Justiça Eleitoral e de mais ninguém.

Em resposta, Neves agregou à problemática apresentada, apontando, em primeiro lugar, uma contradição no sentido de que a pessoa que é condenada a ressarcir os cofres públicos assim está sendo porque foi escolhida pelo povo ou seja, por que foi o candidato mais votado deverá arcar com os custos de nova eleição, reiterando que é preciso examinar a matéria com muito equilíbrio e prudência.

Quanto ao maior ponto de divergência entre os debatedores, se as eleições suplementares são nova eleição ou apenas complemento, argumentou que, na segunda hipótese haveria quebra de equilíbrio com quem já fez campanha no período anterior e que o STF já entendeu que, ao menos em relação à inelegibilidade do §7, art. 14 da CRFB, trata-se de novo pleito, pois evidentemente não poderia concorrer o candidato inelegível por relação de parentesco.

Ao fim, Neves concluiu que todos os problemas explorados previamente são fruto do sistema de registro de candidaturas vigente, o qual admite a concessão e revogação de inúmeras liminares gerando incertezas.

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ENFOQUE

Mensageria: privacidade e integridade na democracia

 

Marcelo Weick | Dario Durigan | Francisco Almeida Prado

 

Iniciando os trabalhos do painel, Marcelo Weick apresentou reflexões sobre os avanços das facilidades tecnológicas e suas implicações na democracia, principalmente, a partir dos aplicativos de mensagem. Por sua vez, o Diretor de Políticas Públicas do Whatsapp, Dario Durigan, iniciou reconhecendo o desafio que adiante se encontra, as Eleições de 2022, sendo um desafio não só eleitoral, mas também de compartilhamento de desinformações.

Descreveu que as ações do WhatsApp neste ano não têm precedentes. Ainda, registrou que não existe isso em nenhum outro lugar do mundo. As estratégias da plataforma colocaram as eleições brasileiras como as mais importantes para o WhatsApp.

Na primeira parte de sua fala, colocou que o WhatsApp tem características específicas, como a necessidade de registro através de um número de telefone. Ainda, expôs que o aplicativo não é uma rede social, marcando a criptografia de ponta a ponta como fator principal, garantindo segurança à justiça eleitoral. Registrou que tal criptografia, em um momento de tanta desinformação, é um direito fundamental.

Para as democracias é importante tal segurança. Como exemplo, a partir de uma conversa entre um advogado e seu cliente, que não pode ser quebrada. Todavia, apontou que a criptografia também gera desafios, pois são mais de 100 bilhões de mensagens trocadas por dia, mas mesmo assim, garante a segurança de seus usuários. Além disso, expôs que é missão do WhatsApp proporcionar que os usuários pesquisem sobre assuntos recorrentemente encaminhados, evitando eventual informação falsa.

Com medidas de segurança, o palestrante marcou sobre o sistema de proteção contra robôs e dispositivo de mensagens em massa – que poderiam atrapalhar as eleições. Ainda, registrou que uma série de pontos são exclusivos do Brasil, como a parceria com o TSE. Tal instituição é autoridade no WhatsApp, e carrega conta oficial no aplicativo.

Registrou que, em breve, uma nova opção será disponibilizada, onde os usuários poderão encaminhar denúncias diretamente ao TSE. Tais denúncias poderão servir como material probatório para o Ministério Público e para as Justiças Eleitorais estaduais. Para tanto, o WhatsApp conta com uma equipe de advogados, que dispõem de canal exclusivo de atendimento com a Justiça Eleitoral, inclusive nas ordens de suspensões de contas e fornecimento de informações, no caso de usuários que podem ser alvos de investigação. Finalizou compartilhando que o WhatsApp tem feito grandes ações para o combate às desinformações.

Francisco Almeida Prado começou explorando a fala de Durigan e reforçando que o WhatsApp não é uma rede social. Assim, tornando inegável que há uma diferença significativa em como os usuários se comportam no aplicativo. Almeida Prado discorreu que os serviços de comunicação são extremamente utilizados em campanhas de desinformações. Neste cenário, compartilhou o questionamento se seria válido o interesse da sociedade em quebrar a criptografia, trazendo maior prevenção do uso criminoso no aplicativo. Continuadamente, usou o exemplo do Telegram, que resistiu até onde pode para quebrar sua segurança criptográfica, mas que ao final, também decidiu colaborar com a Justiça Eleitoral. Em segundo momento, trouxe ao painel que os serviços de mensageira podem facilitar a responsabilização em casos de campanhas de desinformação. Barrar o conteúdo de mensagens falsas deve ser prioridade, sendo de responsabilidade do serviço de mensagens colaborar na prevenção de crimes lá cometidos.

Para o palestrante, e tendo em vista que o WhatsApp tem sido o maior serviço de mensageira, colocou como sugestão que fosse possível mostrar o caminho completo da mensagem. Obter tal informação em tempo hábil é de suma importância para mantermos a segurança no resultado das eleições.

Nesta missão para preservar a segurança o Estado também deve se preocupar com as ações de prevenção. E, também, a responsabilização por parte das empresas intermediárias, que muitas vezes usam os aplicativos para campanhas de desinformação.

Abrindo para o momento de perguntas. Weick indagou sobre como garantir eleições democráticas e limpas. Em resposta, Dario Durigan compartilhou que existe a recomendação que ao receber mensagens suspeitas, torna-se importante fazer a denúncia no próprio aplicativo. Com a identificação de tais mensagens, estas serão informadas ao TSE, para que a investigação possa ser feita. Em tempo real, percebendo eventuais  campanhas orquestradas, a denúncia deve ser feita, e, continuadamente, encaminharas as autoridades. O esforço do WhatsApp, conversando com todos os TREs e com o TSE, garante que o aplicativo está empenhado no enfrentamento à desinformação. Bem como, em manter a privacidade dos usuários.

Em seguida, perguntado sobre a autorregulamentação das mensageiras privadas, Francisco Almeida Prado, expôs que a responsabilização criminal por parte das empresas intermediárias poderá ser útil para o combate aos ilícitos cometidos nas plataformas. Além disso, o palestrante defendeu que o apoio das plataformas é importante, uma autorregulamentação não funcionará sem tal apoio.

Por fim, sobre o Projeto de Lei 2630, Durigan enfatizou que o WhatsApp fez parte da primeira reunião do PL 2630, e, desde então, existe a conversa constante sobre o tema. Garantiu, mais uma vez, que o WhatsApp tem o compromisso em seguir a lei, destacando o respeito à LGPD. Ainda sobre o projeto de lei, expôs que o WhatsApp é simpático ao que foi ali proposto.

Em finalização do painel, Francisco Almeida Prazo colocou sua experiência de advogado como exemplo, compartilhando que muitas vezes é complexo chegar na ponta inicial da informação. Mas que seja colocado pelas plataformas digitais um esforço no rastreio até a origem.

 

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Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Ana Carolina de Camargo Clève

Presidente do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Paulo Golambiuk

Equipe de Relatoria: Alexia Caroline Gonçalves de Assis, Alice Veras Maul, Amanda Aciari, Ana Luiza Lavorato, Andrielly Ruth Figueirôa do Nascimento, Bruno de Oliveira Cruz, Carolina Pellegrino, Deisiely Oliveira Weiber, Gabriella Franson, Guilherme Isfer Garcia, Guilherme Morais Régis de Lucena, Isabela Benedetti Sebben, Isabelle Pinheiro Jackiu, Jonas Emanoel Batista da Silva Mota, Julia Penteado, Lucas Ceolin Casagrande, Lucas Silvestre Machado, Marcelo Antônio Lopes, Maria Vitória Bittar Daher da Costa Ferreira, Mateus Quinalha, Murilo de Campos Soares, Pedro Abrantes Martins, Pedro de Oliveira Maschio Carboni, Sandra Keiko Yoshikawa, Stephany Patricio, Vinicius Silva Nascimento, Vítor Gabriel Kleinert, Wesley Bergonzine, William Dissenha

Equipe de Comissários: Caroline Alberini, Juliano Pietzack, Márcio Timotheo, Nahomi Helena, Rafaele Wincardt, Roberta Guimarães, Tainara Laber, Waldir Franco Félix

Equipe de Comunicação e Mídias Sociais: Luiz André Velasques, Laura Hoffmann Weiss, Carlos Eduardo Pereira, Ana Paula Rusycki, Gabriel Estevão, Lorena Beatriz Chagas, Matheus Carvalho e Manuela Gonçalves