Magistrada concedeu entrevista sobre a participação feminina no Judiciário brasileiro

Fonte: TRE-PR

Nesta mesma época do ano, no Carnaval de 1967, os estudantes cantarolavam “Máscara Negra”, composição de Zé Keti, ao entrar nas salas para prestar a prova do vestibular da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Entre eles estava a jovem Regina, que tentaria uma vaga em dois cursos distintos: Biblioteconomia, porque acreditava ser essa a melhor forma de se aproximar da Arqueologia, ciência que era sua vocação, mas que não era ofertada pela universidade; e Direito, para acompanhar uma amiga que aspirava ao universo jurídico – em solidariedade, essa amiga também faria a prova para Biblioteconomia.

Cinquenta e dois carnavais depois, a desembargadora Regina Helena de Oliveira Portes comemora uma vida dedicada à advocacia e à magistratura – enquanto a sua amiga, diga-se de passagem, aposentou-se como uma excelente bibliotecária. Com eficiência e determinação, a desembargadora abriu caminho em um universo até então exclusivamente masculino: foi a primeira mulher a integrar o extinto Tribunal de Alçada e o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).

Também foi primeira (e única) mulher a presidir o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR), no biênio 2010/2011, instituição à qual retorna, no dia 8 de março, como homenageada do TRE: Mulher e Cidadania, que também homenageia, nesta edição, a procuradora regional eleitoral Eloisa Helena Machado. A seguir, confira a entrevista concedida pela desembargadora:

Como é a sensação de triunfar em um universo essencialmente masculino?

Não considero uma sensação de triunfo, mas uma luta. Fui advogada por 20 anos. Minhas conquistas foram o início de uma abertura para outras colegas ascenderem. Quando entrei no Tribunal de Alçada, em 1992, eu era a única mulher entre 50 juízes. Foi difícil no começo. Em um juízo de primeiro grau, cada um tem a sua vara para julgar, então não há problema. Mas quando você participa de um colegiado, existem restrições. Por sorte, eu conhecia muitos dos colegas e consegui angariar 49 grandes amigos. Eles passaram a me cuidar, a disputar a minha atenção na hora do cafezinho, me tratavam de forma profissional, mas sempre com carinho. Aí, quando vim para o Tribunal de Justiça, já tinha quebrado aquela barreira do Tribunal de Alçada, então a coisa fluiu mais facilmente.

“Minhas conquistas foram o início de uma abertura para outras colegas ascenderem.”

Magistrados decidem de forma diferente conforme o gênero?

Não. Na nossa Câmara (4ª Câmara Cível do TJ-PR), que é de Direito Público, tanto meus colegas homens quanto mulheres trabalham muito bem. O que eu sinto é, na mulher, um perfeccionismo maior. Ela é mais detalhista, mais afeta a tentar acertar sempre. No Direito Público, os valores mais associados às mulheres, como a sensibilidade, não prevalecem. Talvez isso aconteça mais nas Varas de Família. No Direito Público, o olhar minucioso da mulher é o que a diferencia.

Existe diferença na forma como a carreira jurídica influencia a família de um magistrado e de uma magistrada?

Sim, claro. Na família do magistrado, ele geralmente tem alguém que desempenhe a força-tarefa doméstica. No caso da magistrada, ela faz essa parte também. É uma jornada tripla: trabalho, casa, família. Vou ao banco, ao mercado, levo a cachorrinha ao veterinário, pego meu neto na escola de inglês e tenho que estar aqui no horário. O magistrado, em regra, se levanta e vai trabalhar. Ele sabe que a comida estará pronta quando chegar em casa. E, mesmo assim, posso lhe assegurar, a maior produtividade no tribunal é feminina. As mulheres, sejam casadas, solteiras, com filhos ou netos, não têm processos atrasados. A minha equipe, inclusive, é formada só por mulheres.

Esse acúmulo de afazeres seria o principal motivo para o reduzido número de magistradas, principalmente nas cúpulas do judiciário, ou ainda prevalece uma mentalidade masculina nos processos seletivos?

Não acredito que ainda exista essa mentalidade predominantemente masculina. As mulheres inclusive são um número cada vez maior de aprovadas nos concursos da magistratura. Elas são estudiosas por natureza, são altamente decididas no que querem fazer. A mulher, quando se propõe a estudar e passar num concurso, ela passa num concurso. Ela é determinada. Essa determinação também se reflete no trabalho, quando ela gosta do que faz. Tanto que é muito raro você ver uma mulher se aposentando antes de entrar na idade limite. Elas vão até o final.

“No Direito Público, o olhar minucioso da mulher é o que a diferencia.”

A senhora teve alguma inspiração na sua carreira?

Nenhuma. Caí na faculdade de Direito por acaso. Eu queria ser arqueóloga. Fiz escola normal no Colégio Nossa Senhora de Sion, ia ser professora, dar aula em um jardim da infância. Aí uma amiga me disse que ia fazer vestibular. Eu nem pensava nisso porque não tinha curso de Arqueologia em Curitiba. Meu pai era radical, não ia me deixar ir a São Paulo para estudar. Então eu já estava conformada de ser professora quando resolvi prestar o vestibular para Biblioteconomia, porque achei que assim teria condições de estudar e ler alguma coisa sobre Arqueologia. Isso foi em 1967. Então, minha amiga disse que faria a prova para Direito. O vestibular aconteceria em fevereiro, na quinta-feira após o Carnaval. Naquela época, foi lançada aquela música “Máscara Negra”, do Zé Keti. Lembro que as pessoas cantarolavam essa música antes de entrar na sala para fazer a prova. Minha amiga propôs que estudássemos juntas, pois o programa para o vestibular era o mesmo. Também combinamos de fazer as duas provas, para Biblioteconomia e Direito, como forma de incentivo mútuo. Resultado: eu passei em Direito, ela para Biblioteconomia. Minha amiga foi uma excelente bibliotecária, até se aposentar. E eu resolvi ficar no curso para ver o que acontecia.

Quais feitos a senhora destacaria nesses 27 de magistratura?

Atuando com Direito Público, tenho condições de fazer justiça ou remediar uma injustiça. Atualmente, trabalho muito com a matéria de medicamentos, pessoas com câncer, doenças terminais, que pedem para o Estado o fornecimento de medicamentos. A tendência do Estado é brecar essas solicitações. Mas isso não é admissível. Na minha mão não vai morrer ninguém por falta de atendimento.