As tutelas provisórias (urgência e evidência) são compatíveis com as ações eleitorais?

A eficácia das tutelas provisórias eleitorais e seu campo de abrangência diante das novidades trazidas pelo Novo Código de Processo Civil 

Roberto Gouveia | Roberta Gresta | Flávio Cheim Jorge | Graciela Marins

Graciela Marins iniciou o debate argumentando que o novo Código de Processo Civil simplificou o procedimento da tutela provisória, ao trazer requisitos similares para as tutelas de urgência e evidência.

De acordo com Roberto Gouveia, o novo CPC não esgota o tema da tutela provisória. Exemplifica, em tal sentido, que não há regulamentação da tutela inibitória pelo novo diploma, embora admitido pela jurisprudência: “tutela inibitória é aquela para impedir a ocorrência de um ilícito que ainda não aconteceu, que está a ocorrer ou, ainda, de um ilícito que está a se repetir”.

No que tange à postulação da tutela provisória, acirra-se a discussão sobre a possibilidade de seu deferimento de ofício, ante a ausência de previsão legal – antes expressamente disposta no art. 273, CPC/73. Embora admita a existência de entendimentos contrários, Gouveia entende que, ao conceder uma tutela provisória de ofício, estaria o juiz agindo como parte no processo – ferindo a imparcialidade judicial.

Não é possível, como fundamento constitucional, o deferimento de ofício, pois a tutela antecipada tem postulação própria – sendo, para ele, um mito a sua tratativa como mera técnica processual.

Sobre a estabilização da tutela provisória prevista no art. 304 do CPC, entende-se que ela só se revela possível quando observado o procedimento do art. 303, que exige prazo e presença de recurso imediato. Contudo, como no âmbito eleitoral a recorribilidade da tutela provisória é postergada (ausência de recurso imediato semelhante ao agravo de instrumento), a estabilização se mostra incompatível.

Roberta Gresta, por sua vez, aponta a aplicação da tutela de evidência como a de maior dificuldade entre as modalidades de tutelas provisórias no processo eleitoral. Nesse sentido, como trazer a noção de evidência para dentro do processo?

Em resposta, ela fundamenta que a criação do processo é, em si, uma tentativa de desaceleração da nossa percepção imediata sobre os fatos.

Diferentemente, a tutela de evidência estabelece elementos em que há redistribuição do ônus argumentativo. Só a partir daí é que se estaria autorizado a alterar o ônus temporal do processo.

Ressalta-se que não se está lidando com o acertamento definitivo do direito nas tutelas provisórias, sendo que em alguns casos se mostra impossível a concessão da liminar. Em consonância com o parágrafo único do art. 311 do CPC, não se autoriza a concessão de liminar nas hipóteses previstas pelos incisos I e IV do mesmo artigo.

Flavio Cheim Jorge afirma que o instituto das tutelas provisórias não precisa estar previsto no microssistema do processo eleitoral, porque decorre do princípio do devido processo legal, da aplicação razoável do processo e do acesso à justiça.

Faz-se necessário, para tanto, identificar as características de cada microssistema e realizar um filtro, a fim de que lhe seja dado um tratamento adequado. Ou seja, em cada um deles há uma especificidade própria que leva a uma condução diferenciada do instituto das tutelas provisórias.

A aplicação dessa modalidade no período eleitoral ganhou relevância somente após a Constituição de 1988, pois, até então, o contencioso eleitoral ocorria apenas após as eleições. A nova dinâmica impõe que a Justiça Eleitoral dê uma resposta em um curto espaço de tempo, dentro do chamado período crítico eleitoral, para que sejam afastadas condutas que maculem o resultado da eleição. A Constituição exige que a Justiça Eleitoral tutele a vontade do eleitor e garanta a estabilidade da democracia.

Fixadas essas premissas, é relevante que haja a adequação das técnicas processuais eleitorais ao período de campanha. Portanto, as ações eleitorais possuem na sua raiz o periculum in mora, uma vez que o seu não cumprimento imediato leva a um dano irremediável.

Questionado sobre a possibilidade de concessão de tutela antecipada para perda de mandato eletivo e a realização de novas eleições, Cheim afirma que em virtude da incidência do princípio prosufragio, a mera plausibilidade do direito não é suficiente para o deferimento da medida.

Como o afastamento do eleito é uma medida drástica, deve-se exigir uma plausibilidade mais profunda para sua concessão.

Ademais, as tutelas provisórias na seara eleitoral possuem natureza difusa, não sendo um instituto de natureza individual, mas sim coletiva, uma vez que protege a legitimidade do voto e a lisura do pleito.

O mesmo raciocínio é aplicado por Cheim ao discorrer sobre a possibilidade de tutela provisória para vedar que o candidato que esteja sub judice possa realizar seus atos de campanha.

Para tanto, reconhece que o artigo 16-A da Lei nº 9.504/97 versa sobre uma antecipação ex lege da tutela, presumindo que o candidato requer seu registro pautado na boa-fé e lealdade com o eleitor. Em suma, o supracitado artigo se assemelha a uma tutela antecipada que garante a participação do candidato independentemente do deferimento de seu registro.

Todavia, também se encontram disposições contrárias, que afastam essa presunção, como no caso da vedação ao candidato que dá causa à nova eleição.

Dessa forma, havendo o afastamento da presunção de boa-fé e lealdade do candidato, mostra-se possível a concessão de tutela provisória, a despeito do artigo 16-A.

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Direito de resposta em tempos de ofensa livre

Diante da liberdade, abstenção do Estado. E o que se vê é a redução do espaço de fala

Carlos Neves

Carlos Neves expôs sua preocupação com a diminuição diária da liberdade, quando o cidadão é confrontado, no âmbito da internet, com manipulações, por vezes robotizadas, e discursos de ódio. Alerta para a necessidade de manter-se vigilante, pois é comum que essa diminuição permaneça desapercebida. Este estado de vigilância constante perpassa o contraditório, pois a comunicação é função última da política.

Não se pode perceber tão somente o tolhimento extremo, a exemplo das violações de direitos humanos ao tempo da ditadura brasileira, como a morte do deputado Rubem Paiva, ou da recente morte da vereadora Marielle Franco.

O jurista ponderou que o ambiente virtual está para o bem e para o mal. Para o bem, citou a propagação de imagem de Khaled Saeed, espancado até a morte por agentes estatais, como um dos estopins do levante egípcio na Primavera Árabe. Também, a maior utilização política das redes feita por Obama para mobilizar eleitores.

Por outro lado, Trump, no mesmo ambiente democrático, manipulou dados e informações para falar o que os eleitores americanos queriam ouvir. Procedimento semelhante influenciou o voto favorável ao Brexit.

No Brasil, o problema é maior. A opressão vem da lei, que restringe a liberdade de expressão, por meio de diminuições cogentes dos meios disponíveis de comunicação política – a exemplo da diminuição do tempo de campanha, da proibição de outdoors, carros de som, showmícios e da possibilidade mínima de veiculação de propaganda em residências privadas. O eleitor sequer pode impulsionar conteúdos que entende pertinentes, sob risco de ser submetido à sanção.

Esta lógica de diminuição do espaço de fala beneficia aqueles que redigem as restrições e já ocupam posições de poder, em prol da manutenção do status quo e do impedimento da renovação do cenário político. Carlos Neves afirmou que é “na ausência de comunicação política que os mitos se formam”, os ambientes ficam pueris, amorfos.

O grande risco é de se deixar manipular, de acreditar que a verdade própria é a única existente. A possibilidade de quebrar este quadro é garantir a liberdade de manifestação de pensamento.

Carlos Neves conclamou os operadores do Direito para que se insurjam contra a inconstitucionalidade de normas restritivas de direitos fundamentais e que tolham a participação política.

Para ele, não se pode aplaudir a ausência de política, e o espaço ao contraditório deve ser garantido. A discordância deve ser aceita e, nesse contexto, ser repensado o direito de resposta à luz da Constituição Federal, como contraponto aos discursos de ódio e de eventual descumprimento de dever de transparência por parte dos gestores de redes sociais.

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Rejeição de contas públicas, improbidade, cassações eleitorais e inelegibilidade

Marcelo Weick Pogliese | Gustavo Severo | Marcelo Ribeiro | Moisés Pessuti

Gustavo Severo, de início, disse que tem se dedicado a estabelecer uma forte crítica à lei de ficha limpa, especialmente pela falta de proporcionalidade nas suas alíneas, devendo esta ser uma das principais preocupações da Justiça Eleitoral.

No retrospecto histórico, apontou que o primeiro passo foi dado pelo ministro Henrique Neves em importante julgamento no ano de 2014, em um caso que tratava de excesso de doação, mas de pequena monta. Na oportunidade, o ministro teria afirmado que seria necessário verificar se há abuso e desequilíbrio na disputa eleitoral, e que somente quando é aplicada em seu potencial máximo poderia incidir a inelegibilidade.

Especificamente quanto à alínea ‘l’, como concebida, ela já traria em si os critérios de proporcionalidade, necessários à sua incidência, de modo a evitar excessos e ineficiências na sua aplicação. Na construção inicial dessa alínea, procurou-se ter um cuidado com os requisitos, quais sejam, a condenação por improbidade, o ato doloso, a suspensão de direitos políticos, a lesão ao erário e o enriquecimento ilícito. No entanto, na prática dos julgamentos, as cortes eleitorais, tentando promover a melhora do quadro político, passaram a endurecer a aplicação da alínea ‘l’, superando etapas indispensáveis para a configuração do tipo.

A grande mudança ocorre em um precedente de 2010, em que se identificou a necessidade de apontar o enriquecimento ilícito e o dano ao erário concomitantemente, com tipificação expressa, para se cogitar da inelegibilidade. O TSE dizia, segundo Severo, que a aferição dos requisitos se restringia aos termos da condenação imposta, ou seja, sem indicação expressa, não haveria como reconhecer a presença dos elementos. Essa seria, para ele, a única compreensão possível.

Isso porque, muitas vezes, a parte se vê resignada com a condenação imposta na improbidade e, como consequência, não se preocupa que o tribunal diga expressamente que não houve enriquecimento ilícito, até mesmo porque não se saberia, ainda, se o indivíduo se tornaria eventualmente candidato.

Em 2014, a Justiça Eleitoral opera uma grande mudança, afirmando que estaria implícito o dano ao erário na condenação por improbidade. Isso, para Severo, geraria uma deslealdade no jogo: sofre-se uma condenação específica, recorre-se com base na condenação, e, depois, a Justiça Eleitoral aponta nuances que fazem incidir a inelegibilidade. Surgiu o mito, então, de que a Justiça Eleitoral passaria a admitir a análise do conteúdo da improbidade para extrair a presença do enriquecimento ilícito e do dano ao erário, em clara virada de jurisprudência.

Nessa linha, aponta Severo que os tribunais estariam indo possivelmente além, admitindo também que a condenação pelo artigo 11, por violação a princípio, poderia acarretar em inelegibilidade. O cenário, portanto, irá possivelmente mudar no futuro.

Por sua vez, Marcelo Ribeiro asseverou que a Lei da Ficha Limpa fez uma modificação curiosa na alínea ‘g’, considerando que ela veio trazer mais rigor à caracterização da nova inelegibilidade. Há que se lembrar que toda a base da inelegibilidade é a moralidade da vida pregressa, prevista na Constituição.

Na redação anterior da Lei Complementar 64/1990, tinha-se que a irregularidade deveria ser apenas insanável, mas a lei atual passou a exigir que se configurasse também o ato doloso de improbidade administrativa, tornando-a mais branda. Ainda, ao mesmo tempo que flexibilizou ao gestor, ela criou um conceito muito difícil de se interpretar o que seria um ato doloso de improbidade. Nesse ponto, segundo Ribeiro, estaria a diferença para com a alínea ‘l’: nesta existe claramente a previsão de que deve haver dano ao erário e enriquecimento ilícito, enquanto na alínea ‘g’ não seria necessário.

Quanto à questão do dolo, asseverou o debatedor que na alínea ‘g’ isso não ocorre, pois a expressão é mais genérica e aberta. É preciso verificar se existe o elemento dolo na condenação imposta pelo Tribunal de Contas, pois à corte eleitoral cabe fazer esta análise. Ainda, a improbidade da alínea ‘g’ tem que revelar dano ao erário, má-fé e um ato de desonestidade. Não se pode tabelar: deve-se verificar caso a caso.

Na análise de contas municipais, o Supremo tem entendido que a competência será sempre do Legislativo, com algumas exceções. Exemplificativamente, aponta a questão dos convênios, quando a decisão cabe ao tribunal de contas referente ao ente federativo do qual provêm os recursos.

Por fim, Marcelo Weick, acerca da análise de alínea ‘j’, defende que não há uma atuação parametrizada da Justiça Eleitoral, pois o casuísmo nunca permite saber se o padrão é pela contenção ou controle.

Em síntese, a alínea ‘j’ é a responsável por corrigir o desnível do abuso de poder econômico dos demais abusos e condutas vedadas. Com a Lei da Ficha Limpa, passou-se a ter a incidência das inelegibilidades também no 30-A (caixa-dois), 41-A (captação ilícita de sufrágio) e 73 (condutas vedadas), não mais se restringindo ao artigo 22.

Em termos de aplicação, Weick entende que esta inelegibilidade não pode estar contida na parte dispositiva da decisão, vez que possui caráter externo e secundário. A aferição da inelegibilidade, portanto, ocorrerá somente no registro de candidatura.

Por fim, ele afirma que deve haver uma uniformização no trato das alíneas ‘l’, ‘g’ e ‘j’, bem como que é necessária uma dissociação entre o momento da condenação e o momento da aferição da inelegibilidade.

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Presidente do VI Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Moisés Pessuti

Equipe de Relatores:
 Paulo Henrique Golambiuk, Maitê Marrez, Guilherme de Abreu e Silva, Isabel Arruda Quadros da Silva, Rafaele Balbinotte Wincardt, Emma Roberta Palú Bueno, Roberta Alves Pinto Guimarães, Wagner Luiz Zaclikevis, André Eiji Shiroma, Waldir Franco Félix Júnior, Caroline de Fátima Helpa, Eliane Bavaresco Volpato e Yasmin Brehmer Handar

Equipe de Comunicação: Luiz André Velasques, Nicole Wibe Silva e Carlos Eduardo Araujo